São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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Democracia ignorada

LUIZ ALBERTO BAHIA
DO CONSELHO EDITORIAL

Mais uma campanha que se perde, nada nela se fazendo para melhorar a democracia. Mais uma vez, a democracia não cuidou da democracia. Principalmente, da democracia política, que tanto tem a aperfeiçoar-se em nosso país. Nem mesmo o cenário confuso e indistinto, onde pululam tantos partidos e tantos candidatos, tornando-se uma proeza a tarefa de distingui-los para a escolha do melhor. O eleitor está completamente ofuscado, tal a multiplicidade de nomes e legendas. Como pretender que ele escolha bem?
O cenário eleitoral tem estado dominado, até às vésperas do pleito, pela temática econômica. Os grandes atores e interlocutores econômicos ocupam o palco central, muito raramente nele penetrando um engenheiro político, isto é, algum audacioso que pretenda revelar a relação íntima e essencial entre a prática da democracia econômica e a prática da democracia política. O divórcio vem revelando todos os seus males. Não se descobre, por diferentes razões, que a primeira só avançará para a menor desigualdade possível, se a segunda concorrer decisivamente para a maior igualdade possível.
Não é preciso dizer que a igualdade existe como direito e a desigualdade como realidade. O direito permanecerá distante da realidade enquanto as oligarquias políticas barrarem o caminho das reformas propostas pela engenharia democrática, que objetivam um processo decisório de governo menos fechado e mais aberto às correntes de representação e participação potenciais da sociedade sem voz. O estudo desse pleito deverá ser conclusivo: as grandes questões econômicas da democracia brasileira ficarão mal resolvidas, se não se der à engenharia política a primazia para alterar, melhorando o processo político brasileiro. Até agora, só se tem cogitado de propugnar pela reforma constitucional imperativa sob motivações econômicas e sociais. O neo-liberalismo pretende objetivos ortodoxos no campo econômico. As correntes políticas, à esquerda, quando querem reformar a Constituição, será sempre para fortalecerem o Estado providencial e intervencionista. Nem um nem outros abordam as reformas para ultrapassagem dos impasses brasileiros.
O cenário político precisa ser remodelado urgentemente, quando da revisão constitucional. A democracia política não pode funcionar, utilizando-se de um processo decisório legislativo que autoriza o uso abusivo de medidas provisórias e conceda aos legislativos a licença excessiva de não votar e de não decidir, ficando o país à mercê de um regime autocrático –e das medidas provisórias sucessivas e eternizadas. Urge, pois, atualizar o processo decisório legislativo e fortalecer os órgãos de controle dos dinheiros públicos para que a moralidade administrativa dependa menos do moralismo da imprensa nem sempre responsável.
Será impossível alcançar maior democracia econômica e industrial, mantidos os atuais sistemas partidário e eleitoral. Pois é através desses sistemas defeituosos que se mantêm excluídos os grupos distantes das oligarquias. Nenhum processo democrático decisório ganhará raízes, na estima popular, se a representação mandatária não for disciplinada por uma prática partidária, simplificada quanto ao número de partidos e aberta à participação de todos, mediante vida política diária.
Vale dizer, uma democracia verdadeiramente partidária, a começar da valorização do voto de legenda. Hoje, valoriza-se o voto preferencial por candidatos individuais, em detrimento da legenda. A consequência é a pulverização da vontade do eleitor na escolha de milhares de preferências sem maior significação partidária.
No Brasil, o sistema partidário não funciona como elo na cadeia do processo decisório do governo, não tendo o cidadão oportunidade de interferir nessa cadeia para chegar a ser ouvido no topo das decisões.
Já é tempo de instituir um sistema de partidos não excessivo em número. A pluralidade de opinião minoritária pode ser satisfeita por meio de ligas de propaganda política.
A governabilidade, isto é, a estabilidade democrática, depende, antes de tudo, de reformas políticas. O debate das reformas econômicas e sociais não deve inviabilizar o progresso econômico e social, de um lado, perturbado por um radicalismo neo-liberal utópico e, de outro lado, retardado por tentativas, não menos utópicas, de reduzir certas desigualdades sociais.
Não progredirá a democracia econômica e social do Brasil sem as reformas de seu sistema decisório, partidário e eleitoral.

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