São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 1994
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Cria fama, deita na cama e perde grana

NANDO REIS; MARCELO FROMER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Definitivamente, as consequências da leviandade com que é tratado o nosso futebol começam a atingir proporções calamitosas.
A total falta de capacidade daqueles que há anos vêm dirigindo o amado esporte acaba de fazer uma nova vítima. Faz parte do pacote do sr. Ricardo Teixeira para acabar com o bom futebol eliminar mais um importante colaborador: o gramado.
Sim, depois de nos brindar com um regulamento para esse Campeonato Brasileiro, que não faria sentido nem para habitantes do Pólo Norte, depois de banir a suspensão automática para o terceiro cartão amarelo (medida prestes a ser revogada, dada a impressionante retomada do futebol vigoroso que os nossos zagueiros insistem em praticar), estamos assistindo à extinção de um fundamental personagem: aquele retângulo que lá de cima das arquibancadas parecia verde e agora já tem sua coloração bem mais próxima dos marrons que cobrem as hortas e os cafezais.
Mas sejamos justos. Isso não é culpa só da CBF. É culpa, também, das federações estaduais, dos dirigentes de clubes.
O excesso de jogos 'inúteis', campeonatos dispensáveis como a insossa Copa Bandeirantes –quando o clássico foi rebaixado à categoria de pelada–, em suma, esse calendário obtuso e cruel, fizeram com que os gramados botassem as suas clorofiladas língua de fora.
"Como resistir a essa insana maratona?", devem se perguntar, entre um tempo e outro, as folhas exaustas, sem encontrar descanso nem sequer para praticar sua simples fotossíntese. Já no começo da temporada pós-tetra nossos gramados dão claros sinais de fadiga.
Como se não bastasse a ininterrupção dos jogos, os estádios de futebol têm sido utilizados também para muitos outros eventos. Não importa de quem sejam as ordens, mas o fato é que o Pacaembu se transformou em campo de pouso para urubus, o Canindé parece pista para corrida de galo garnizé, a Vila Belmiro é um excelente terreno para esportes náuticos e o Morumbi não se sabe até quando irá resistir.
Chegamos então à triste conclusão de que algum obscuro objetivo deve estar sendo perseguido. Se não estiver, para que raios serviu ganhar o caneco se não estamos podendo praticar 'o melhor futebol do mundo'?
Apenas para que o nosso glorioso treinador pudesse divulgar os seus conhecimentos na 'Terra das Azeitonas'?
O assunto referente ao estado dos gramados vem à tona justamente no ano em que teríamos a grande chance de tornar este esporte adorado em nosso país num grande negócio, em todos os sentidos.
Mas os nossos dirigentes preferem o golpe fácil, curto e ultrajante, já que fazemos craques como a França faz baguetes e no Japão nascem japoneses.
Este ano poderia ser o ano ideal para a explosão do futebol do Brasil para fora do Brasil.
Por que será que não se transmite o Campeonato Brasileiro para a Europa? Se a gente pode assistir até ao Campeonato Holandês, será que os europeus não gostariam de assistir ao 'Maior Campeonato do Mundo'? Poderia até se ganhar muita grana, mas talvez falte grama.
Marcelo Fromer e Nando Reis são músicos da banda Titãs

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