São Paulo, terça-feira, 13 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FGV queria perpetuar imagem de Vargas

DENISE CHRISPIM MARIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Faltavam 15 meses para a deposição de Getúlio Vargas. Era julho de 1944 e o ditador assinava, no Rio de Janeiro, o documento de criação de uma instituição de ensino e pesquisa para a formação de profissionais em administração governamental.
A Fundação Getúlio Vargas surgiu como um dos esforços do Estado Novo (1937-1945) em eliminar o modelo de gestão pública cultivado durante a República Velha.
O termo usado na época era "modernização". Significava formar profissionais para enfrentar os concursos do Departamento de Administração do Serviço Público (Dasp). Criado em 1938, o Dasp era a porta exclusiva para a carreira no governo federal. Para acabar com o empreguismo político, estabeleceu o concurso e criou um exame feroz.
Ninguém era contratado sem o aval do Dasp, comandado pelo engenheiro agrônomo gaúcho Luiz Simões Lopes. Amigo pessoal do ditador, ele foi nomeado oficial de gabinete da Secretaria da Presidência da República (hoje Gabinete Civil) no dia seguinte à tomada de poder por Vargas, em 1930.
Simões Lopes sugeriu a Vargas a criação da FGV e permaneceu em sua presidência de 20 dezembro de 1944, quando foi inaugurada, a 1992 (leia texto abaixo).
Em 1944, o fim do Estado Novo já se prenunciava. Criar uma escola superior para formar executivos e administradores com o nome de Vargas preservaria, em tese, uma imagem positiva do ditador.
Simões Lopes queria que, como fundação, a escola tivesse independência suficiente para evitar interferências. Mas em certas ocasiões, os governos de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e do general Figueiredo (1979-1985) pressionaram a FVG por causa dos resultados do Índice Geral de Preços, calculado desde 1944.
Até 1979, 15 departamentos formavam a entidade. Hoje, com a extinção ou transferência de áreas não-relacionadas diretamente com o estatuto, restam cinco departamentos: o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), Escola Brasileira de Administração em Administração Pública (Ebap), Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE), Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) –no Rio de Janeiro– e Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp).
Contas nacionais
A FGV mergulhou na área econômica em 1946, quando um grupo liderado por Eugênio Gudin alimentou o debate sobre problemas econômicos brasileiros. Gudin foi ministro da Fazenda do presidente Café Filho (1954-1955).
O grupo elaborou o primeiro balanço de pagamentos do país e o levantamento da renda nacional.
Em 1951, esse núcleo deu origem ao Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), que ainda é o responsável pelo IGP (Índice Geral de Preços).
Em 1961, o Ibre gerou o Centro de Aperfeiçoamento de Economistas, que em 1966 transformou-se na Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE).
A EPGE começou com cursos de mestrado e, a partir de 74, abriu vagas para doutorado. Durante 22 anos, de 66 a 74 e de 79 a 93, a escola foi dirigida por Mario Henrique Simonsen, ausente nos cinco anos em que esteve à frente dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, governos Geisel e Figueiredo.
Impostos
Em 1962, durante o governo João Goulart, a FGV realizou reforma no Ministério da Fazenda e na área tributária. A pasta já havia tido 17 alterações frustradas.
A FGV propôs modificações que afetaram a vida dos cidadãos comuns. Criou o Cadastro Geral de Contribuintes (CGC), mudou o imposto de renda, transformou o Imposto sobre Consumo em Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), introduziu o processamento eletrônico dos dados fiscais e modernizou a coleta de impostos.
Faces pública e privada
No final dos anos 40, a idéia de se criar no Brasil uma escola voltada inteiramente à formação de quadros para a administração pública causou assombro.
A sugestão foi apresentada, em 1948, durante a Assembléia Geral da ONU, em Paris. Pretendia-se que a ONU financiasse o projeto.
Um estadista europeu afirmou que a idéia era "mais uma das bobagens latino-americanas". "É uma farsa", disse um delegado.
A diplomacia brasileira contornou a situação. O ante-projeto da Escola Brasileira de Administração Pública (Ebap) foi rascunhado durante o evento pelos professores Benedito Silva e Cleanto de Paiva. E a Ebap foi inaugurada em 1952.
Durante a década de 50, a FGV sistematicamente se dividiu em dois braços. O Rio tornou-se base da área pública e São Paulo, da formação para a iniciativa privada.
A Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp) foi criada em 1954 a partir de um convênio com a Michigan State University. Foi uma das primeiras nessa área fora dos EUA.
Com a mudança da capital federal para Brasília, em 1960, as duas grandes unidades passaram a se preocupar com administração pública e privada.
A Eaesp passou a se dedicar também à graduação em administração pública com a criação, em 1969, de um curso mantido pelo governo do Estado.
Mas seu forte é o preparo de executivos. Grandes organizações todos os semestres selecionam trainees entre seus alunos –não são raros os que seguem carreira. Profissionais experientes procuram a escola para cursos de pós-graduação e de atualização.
O Rio, atualmente, mantém pós-graduação em administração pública (da Ebap) e em economia (da EPGE). Mas está abrindo cada vez mais o leque de cursos para profissionais da iniciativa privada.
Além disso, o prédio central da FGV, na praia de Botafogo, conta com um arsenal de documentação histórica que municia pesquisas de cientistas sociais de todo o país.
Trata-se do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), criado em 1973.
Seu acervo conta com 110 arquivos privados. Ali estão guardados documentos de Getúlio Vargas, do general Cordeiro de Farias, de Gustavo Capanema, de Ulysses Guimarães.
Nova "modernização"
A FGV hoje figura entre as melhores instituições de ensino em economia e administração do mundo. Na década de 90, seu esforço novamente tem se direcionado para a "modernização". Mas dessa vez a palavra tem outro sentido.
A instituição, hoje presidida por Oscar de Mello Flores, 83, corre para informatizar todos os departamentos, criar produtos de interesse para governo e empresas e fazer parcerias com a iniciativa privada.
A questão básica é a sobrevivência. As dotações governamentais caíram de US$ 14 milhões em 1990 para US$ 6 milhões em 1993. Até julho, a FGV havia recebido apenas US$ 2,5 milhões.
No mesmo período, o fundo patrimonial sofreu um débito de US$ 9 milhões. Em 1989, havia 1.350 funcionários no Rio. Hoje são 582.
No ano passado, o próprio Simões Lopes já havia percebido que o tempo das "vacas gordas" havia acabado e que a FGV não poderia mais depender do governo.
Esse objetivo, espera-se, deve ser alcançado até 1998.

Texto Anterior: FGV 50 Anos
Próximo Texto: 'Políticos só pensam em votos'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.