São Paulo, terça-feira, 13 de setembro de 1994
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Razão e paixão

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Se alguém precisar de um acadêmico de prestígio para fazer uma análise isenta do cenário eleitoral, estará perdido. Quase todos os intelectuais mais badalados da República estão fortemente mergulhados na campanha presidencial dos dois principais candidatos (Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva).
É verdade que não há, nisso, muita surpresa. Desde que a campanha começou para valer, esta Folha fez mais de uma reportagem registrando o "racha" na intelectualidade, justamente entre essas duas candidaturas. Sobraram poucos intelectuais, pelo menos entre os badalados, para apoiar Orestes Quércia e Leonel Brizola.
O problema é que o emocionalismo que marca tradicionalmente a reta final da disputa acabou por envolver também os intelectuais, por mais que teoricamente deles se deva esperar mais racionalidade e menos paixão.
Os artigos que estão sendo publicados pela Folha nos últimos dias revelam claramente a passionalidade, de parte a parte. Guardadas as proporções, é mais ou menos como se a intelectualidade brasileira tivesse sofrido uma recaída no que se poderia chamar de "complexo de Cuba".
Para quem não se lembra: durante muitos anos, era tacitamente proibido aos intelectuais de esquerda e de centro-esquerda fazer qualquer crítica ao regime cubano a pretexto de não dar argumentos ao "imperialismo". O resultado está agora à vista de todos.
No Brasil, intelectuais petistas perderam a capacidade de fazer críticas ao próprio partido, por temor de "dar armas" ao inimigo. E os intelectuais "tucanos" passaram a defender até o indefensável, sob o mesmo pretexto. Ou pelo ângulo inverso, passaram a atacar o "inimigo" apenas por ser "inimigo", mesmo que eventualmente tenha razão.
Como é rigorosamente impossível, até pela lei das probabilidades, que o PSDB ou o PT esteja sempre certo ou sempre errado, o silêncio da razão ante a paixão ganha ares de cumplicidade inaceitável. Problema maior ainda vai se criar se, passada a eleição, o "complexo de Cuba" se mantiver. Se a intelectualidade perder a capacidade de raciocinar criticamente, sobrará pouca função para ela.

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