São Paulo, quarta-feira, 14 de setembro de 1994
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A lei da selva

PAULO VELLINHO

Dos incentivos fiscais destinados à região Norte, R$ 8 de cada R$ 10 ficam na Zona Franca de Manaus. Em relação ao país, são R$ 3,3 em cada R$ 10. Ou 0,35% do PIB brasileiro, que soma US$ 470 bilhões. Nada disso impede que a Zona Franca tenha cortado 40 mil empregos em apenas três anos.
E, pior do que isso, venha se dedicando, cada vez mais, à rotina de montar "kits" de artigos importados.
Essa contradição já seria suficiente para nos colocarmos contra a transferência indiscriminada e em larga escala, da indústria eletroeletrônica para Manaus. Uma argumentação mais ampla, porém, se faz necessária agora, quando algumas empresas, por força dos seus vínculos com a Zona Franca, parecem estar confundindo a miragem dos incentivos fiscais, com a realidade prática do setor eletroeletrônico do Brasil, que movimentou em 1993 cerca de US$ 18 bilhões e emprega 170 mil pessoas.
A Zona Franca nasceu em 1968 como uma maquete do futuro. Seus incentivos fiscais seriam a alavanca para o desenvolvimento econômico e social da região como um todo. Mas isso não aconteceu. O resultado foi um parque industrial que se sustenta graças a renúncia fiscal.
Soma-se a isso, a total ausência de critérios rígidos na aprovação dos projetos que passou a predominar, do governo Collor para cá, com a eliminação do sistema de cota global de importação e pela implementação do chamado Processo Produtivo Básico.
Antes, com a exigência dos índices de nacionalização, uma conquista da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) nos anos 70, US$ 6 de cada US$ 10 investidos para fazer um relógio, um televisor, um vídeo cassete ficavam no Brasil, na forma de empregos e salários.
Hoje, esses empregos migraram para o sudeste asiático, impulsionados por uma taxa efetiva de importação de componentes que beira a ficção: no máximo 2,5%. Nos Estados Unidos, essa mesma taxa oscila entre 3,5 e 10%. Na Alemanha e França, 6,1 a 14%. E no Brasil, fora da região da Zona Franca de Manaus, entre 15 e 20%.
Não foi por acaso que a indústria automobilística, há três anos terçou armas, e venceu, com a Zona Franca. Graças ao combustível dos incentivos, se os carros passassem a ser montados em Manaus, seria o fim dos parques industriais do ABC paulista e de Betim. Quatro décadas de industrialização seriam jogadas na lata do lixo.
O dilema da indústria eletroeletrônica é exatamente o mesmo. A diferença está no cenário. A estabilização e abertura econômica, assim como a reforma tributária e a união alfandegária do Mercosul, em breve eliminarão as vantagens comparativas dos subsídios. Nesse momento, o que restará da indústria montadora da Zona Franca de Manaus? Será uma nova versão do ocaso do ciclo da borracha.
Uma indústria não é como um empório que se muda de uma noite para o dia. Não pode ter seus alicerces fincados numa base provisória, que a qualquer momento pode ruir.
Partindo dessa constatação, é que nos alinhamentos contra a lei da selva dos incentivos fiscais. Defendemos a racionalidade de um novo modelo para a Zona Franca de Manaus, mas com regras objetivas que salvaguardem a indústria eletroeletrônica instalada em outras regiões do país.
É por este caminho que acreditamos ser possível antecipar as soluções para uma crise que já assume graves dimensões.
Feita essas reflexões, pergunto-me:
Quais serão os interesses superiores da indústria elétrica e eletrônica brasileira sediada em Manaus, que a fazem rebelar-se contra as realidades evidentes, tentar rachar a Abinee e buscar para a entidade que pretende criar, a representatividade perante as autoridades brasileiras, colocando à sua frente profissionais pagos para defenderem interesses, ao invés de empresários vitoriosos, que também os defendem, porém, por ideais?

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