São Paulo, quarta-feira, 14 de setembro de 1994
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A boa notícia que vem de Minas

ROBERTO ROMANO

Frederico 2º promoveu, em 1788, um concurso para saber se era útil enganar o povo. A confissão do sr. Ricupero responde ao monarca prussiano com atraso de muitos anos.
O lero-lero só convence porque os brasileiros não assumem sua soberania. A multidão, em pontos essenciais, só é ludibriada porque assim o quer (Hegel).
A vontade que tem o povo de ser enganado, unida à demagogia esperta, gera o charlatanismo oficial. A popularidade da mentira é demoníaca. Em certo registro, "Ethos is the daimon", como recorda H. Bloom.
O episódio Ricupero prova ser necessário retirar do Executivo o monopólio das decisões. A falência do Parlamento, por culpa dos seus membros, abala a fé pública.
O Executivo abusa, gerando esperanças e temores nas massas; jornais críticos, como a Folha, são perseguidos e irritam populares hipnotizados pela máquina governamental. No fim, resulta o cinismo coletivo que impede, entre nós, a existência do Estado.
Aos particulares, como afirmou com arrogância o ex-ministro da Fazenda, só resta o banditismo.
Com a insistência na assembléia revisora exclusiva, é preciso mudar a prática legislativa existente. Urge recompor a confiança nos Poderes da República.
Formar a cidadania para o voto é o imperativo ético deste país. Mas os atuais ocupantes dos Poderes –a sua porção empenhada na melhoria institucional– podem redimir o setor a que pertencem.
A Assembléia Legislativa de Minas Gerais dá o exemplo, para qualquer representante do povo brasileiro –de vereadores a deputados federais– ao corrigir o seu "modus operandi". A Folha poderia trazer a simpática "Boa Notícia": ocorre o aperfeiçoamento democrático, sem concessões populistas, num Legislativo estadual.
Os deputados mineiros afastam o empirismo na escrita das leis. A Assembléia Legislativa desloca-se pelo Estado, detectando problemas coletivos, da educação aos recursos naturais.
Nos sítios apropriados, e com assessoria técnica, os parlamentares ouvem o povo –movimentos, associações cívicas– e discutem os males existentes com os benefícios a serem implantados.
Feito o diagnóstico, ele é remetido para a Assembléia, onde recebe ponderação de parlamentares e especialistas.
Este processo ocorre sem privilégio eleitoral deste ou daquele representante. A Casa das Leis torna-se interlocutora da coletividade soberana. Garante-se a prática legislativa moderna que erradica o clientelismo.
Assim, Minas produziu um importante código para aproveitamento hídrico, documento indispensável aos legisladores brasileiros e internacionais.
Gravíssimo, por exemplo, no contencioso entre Israel e palestinos, é o aproveitamento das águas. Caso esta política mineira fosse estudada, projetos imprudentes, como a alteração no curso do rio São Francisco, não viriam à tona. A seca em São Paulo pode ser atenuada por uma legislação científica e eficaz.
A Assembléia de Minas também criou a Escola do Legislativo. Dirigido por acadêmicos competentes, aquele instituto aperfeiçoa os conhecimentos dos funcionários, organizando cursos sobre administração pública.
Tais benefícios são ampliados para os próprios legisladores, que podem ouvir representantes das diversas tendências científicas e aprimorar sua visão social.
A escola produz textos e vídeos sobre as instituições democráticas, distribuindo-os nos colégios, melhorando o jovem voto popular.
Outro serviço permite que as pessoas comuns acompanhem a gênese de uma lei usando instrumentos multimídia, inclusive com apoio da rede Internet. As matérias que tramitam pela Assembléia poderão ser vistas sinoticamente.
Seria possível escrever mais sobre as mudanças na Assembléia mineira. Alguns pontos são polêmicos, como o envio de processos por corrupção diretamente ao Ministério Público.
Mas vale a pena conhecer esta experiência regional que exorciza a mentira e produz melhor relacionamento entre representantes e cidadania.

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