São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 1994
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Os pequenos delitos

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Humberto Lucena está transtornado. Considera-se injustiçado. Diz que o "crime" de que o acusam é usual no Congresso.
Escrevo "crime" assim, entre aspas, porque o senador não admite a falta.
Pior: aponta para colegas que, como ele, serviram-se da Gráfica do Senado.
Para dar consistência à própria lista, inclui entre seus similares o senador Nelson Carneiro, considerado um bom homem público.
Lucena está certo e está errado. Tem razão ao dizer que a quase unanimidade dos parlamentares usa de forma privada a gráfica pública do Congresso.
O senador erra ao supor que a banalização da falta desmerece a punição. Ao contrário, até a qualifica.
A imagem é forte, mas vá lá: é como se um policial prendesse um traficante carioca e ouvisse do malandro: "O sr. não pode me prender. Quase todo o Rio de Janeiro comercializa drogas."
O problema não está na punição de Lucena, como tenta fazer crer o senador, mas na ausência de castigo para os demais. Inclusive Nelson Carneiro, se for o caso.
O caso Lucena é emblemático. Presidente do Congresso, o senador deveria ter dado o exemplo. Não deu.
A pena imposta pelo TSE não esgota o caso. É preciso agora exigir de Lucena e de tantos quantos tenham agido como ele que reembolsem o contribuinte.
Há no Brasil uma tendência à separação dos delitos por seu volume. Assim, diferenciam-se "grandes" e "pequenas" faltas.
A regra é muito bem aceita nos corredores do Congresso. Note-se, a propósito, o que ocorreu no julgamento dos integrantes da máfia do Orçamento.
Inocentaram-se alguns dos envolvidos, sob o argumento de que desviaram pouco dinheiro.
Por esse mesmo raciocínio equivocado, Lucena seria, entre tantos, um pequeno delinquente.
Incluem-se ainda na categoria de pequenos delitos a praga do empreguismo, que tem em Lucena um feroz adepto.
Outro exemplo: no início de sua campanha, Fernando Henrique utilizou um fax do Senado para enviar mensagens aos eleitores.
José Dirceu, candidato ao governo de São Paulo pelo PT, também enviou cartas a eleitores com o selo financiado pelo contribuinte.
Eis a raiz do problema: é preciso mudar a escala de valores do Congresso. E o TSE deu um passo nesta direção.
É evidente que não se está defendendo aqui que todos sejam cassados. Para os pequenos delitos, pequenas penas. Nunca a ausência de punição.

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