São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 1994
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Papai Noel

OTAVIO FRIAS FILHO

A história recente do Brasil tem sido uma montanha-russa de euforia e decepção. A lista já ficou famosa: Diretas-Já, Tancredo, Cruzado, Constituinte, Collor.
Cada um desses episódios terminou em frustração gerada, ao menos em grande parte, pelo excessivo investimento em matéria de expectativas.
Politicamente infantil, a nossa cultura teima em acreditar que passes de mágica e soluções mirabolantes possam substituir o esforço cotidiano, penoso, de resultados imperceptíveis.
Mas a superfície da política e o espetáculo do poder têm pouca relação com o que ocorre na sociedade. Forças subterrâneas, enraizadas na cultura e na economia, é que determinam a vida das pessoas.
O máximo que governos e políticos podem fazer a respeito é acelerar ou retardar um pouco, muito pouco, o ritmo dessas forças gigantescas que atuam em escala internacional.
Consideradas desse ângulo, as eleições perdem dramaticidade e os apelos apopléticos caem no vazio, pois o que está em jogo é muito menos o futuro do país do que o prosaico amanhã dos candidatos.
Ainda é cedo para saber se o Plano Real veio para reforçar a nossa ciclotimia de entusiasmo e desalento ou se é, como dizem os partidários de FHC, a primeira tentativa séria de romper o círculo vicioso.
Esta é uma história que ainda está por ser escrita e que depende também de nós, mas em sentido inverso ao da propaganda oficial: de que sejamos capazes de duvidar, de criticar, de desconfiar.
Nada mais impatriótico, a meu ver, do que esse sinistro otimismo que volta a se formar; nada mais perigoso do que essa unanimidade de crentes e adesistas em torno de FHC.
A quem cabe a culpa pelo desastre Collor senão à própria sociedade? Não foi ela quem incensou a vaidade do sujeito, quem o investiu de poderes legais e imaginários, quem fechou os olhos para seus primeiros abusos de poder?
Não existe governante intrinsecamente bom ou mau. A mecânica do poder funciona como um motor a diesel ou como a própria mecânica celeste, à revelia do que pensam ou sentem as pessoas.
Se colocarmos Papai Noel no governo e o deixarmos à solta ele se transforma em Macbeth.
Antigamente, quando o embaixador dos EUA falava havia uma comoção. É só percorrer os livros de história para verificar o papel influente e a influência deletéria dos antecessores de Melvin Levitsky.
Pois ele concedeu longa entrevista a Gilberto Dimenstein e Andréa Fornes, publicada há quatro dias, e nada. Não foram os EUA que perderam importância, pelo contrário.
O espaço público no Brasil é que cresceu e se diversificou a ponto de as suas declarações, mesmo que fossem mais brilhantes ou inconvenientes do que foram, não encontrarem audiência disponível.
Ele se meteu em assunto interno brasileiro ao falar de narcotráfico, disse que aceitaria receber os candidatos a presidente (quando o máximo que pode ocorrer é ele ser recebido) e repetiu a velha mentirada sobre a preocupação da política externa de seu país com a democracia.
Bem que ele tentou, mas nada. Bom sinal.

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