São Paulo, sexta-feira, 16 de setembro de 1994
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Josely Carvalho traz arte política ao MAC

KATIA CANTON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Instalação: Diário de Imagens - Cirandas
Onde: MAC Ibirapuera (Pavilhão da Bienal, piso 3)
Quando: de terça a domingo, das 12 às 18h (até 6 de novembro)

O trabalho de Josely Carvalho resume-se ao que ela chama de um diário de imagens. Tudo parte de um registro pessoal para desembocar no épico, no comentário social. Com um toque de Hitchcock, ela carimba suas obras –serigrafias, instalações, vídeos– com auto-imagens ora sutis, ora macabras.
É o caso de "Cirandas", em cartaz no MAC Ibirapuera. Em gestação dupla, durante 18 meses, a artista recolheu a história de crianças de rua, mortas de forma violenta em Chicago e no Rio de Janeiro. E compôs um mosaico de mídias, que renegociam nossa percepção do fato.
Brasileira, radicada nos Estados Unidos desde 1964, Josely incorpora na obra sua dupla nacionalidade, sua condição de estrangeira, mulher e latino-americana.
Descendente da tradição da gravura e da arte política, ela trabalhou com comunidades em Nova York, na efervescência de um cenário onde as minorias começavam a se articular. Visionária, ela lançou as bases do que veio a se definir pelo jargão do multiculturalismo e do politicamente correto.
Complexa, a artista questiona o caráter comercial destes rótulos hoje. Madura, aos 51 anos, ela é um dos nomes de destaque na arte pós-vanguarda nova-iorquina e aguarda, com certo ressentimento de quem não é valorizado no próprio país, um convite para a próxima Bienal de São Paulo. Ela falou em exclusividade à Folha.

Folha - Em "Ciranda" há vários painéis serigráficos com nomes e imagens de crianças, uma gravação de depoimentos infantis e um vídeo, além de uma figura de mulher gritando sobre uma pia batismal. Qual o sentido desta iconografia?
Josely Carvalho - "Ciranda" foi feita para as crianças de rua, que nunca tiveram uma mãe ou uma tia que pudessem brincar com elas. Nessa instalação aparece simbolicamente a figura da mulher que grita, vestindo uma escama de peixe. Esta imagem reincide sempre nas obras quando estou zangada. Também apareço de relance no vídeo com as crianças.
Folha - Você diz que a obra artística é um "diário de imagens". Como?
Josely - Arte é experiência. Quanto mais rica a vida, as relíquias, mais há para se passar na arte. Trabalhamos inevitavelmente com a história. Por isso não acredito que artistas muito jovens tenham tanto a dizer.
Uso constantemente o símbolo da tartaruga em meu trabalho. Ela vive até 500 anos, carrega sua casa nas costas, tem duas culturas, pois vive na terra e na água.
Para que realidade e poesia se sobreponham é preciso documentar o pessoal. Meu instrumento básico é sempre a serigrafia. Uso imagens reais e as transformo, colorindo-as, ampliando-as, filmando-as em movimento.
Folha - Você trabalhou ativamente no cenário nova-iorquino dos anos 70, fazendo trabalhos serigráficos com organizações políticas, feministas. Acredita na arte política hoje? Como vê o politicamente correto?
Josely - Na época, havia uma necessidade vital, por parte das minorias, de se fazer enxergar. Havia um motivo para se trabalhar, por exemplo, em comunidades femininas. Até os anos 80, havia resistência e era necessário que se criasse um espaço específico para a mulher.
Daí, em 1991, surgiram os termos oficiais "multiculturalismo" e "politicamente correto". Por um lado, foi como esvaziar a produção destes grupos de seu contexto, sanitarizar, pausterizá-las numa grande massa.
Ano passado, em Washington foi criado o Museu da Mulher. Virou um museu de dondoca. Não há outra razão, a não ser possuir vagina, para expor lá.
Folha - Você pode ser considerada uma visionária, já que trabalha há mais de dez anos com arte social, multimídia, autobiográfica. Características típicas da nova arte dos anos 90. Você concorda que a arte abstrata não tenha mais razão de ser?
Josely - Sobretudo a partir do ano passado muitos artistas e críticos contemporâneos começaram a falar nesta "morte do abstracionismo". Não sou tão radical. Mas acho que esta é uma época em que a utopia, a austeridade, dá lugar à necessidade de grandes modificações. As pessoas sentem necessidade de se expor. Então a força da narrativa autobiográfica.

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