São Paulo, sábado, 17 de setembro de 1994
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Bill T. Jones resgata dança-manifesto

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LYON

A coreografia "Still Here", do norte-americano Bill T. Jones, estreou na última quarta-feira na abertura da 6ª Bienal Internacional de Dança de Lyon (França).
"Still Here" é um símbolo deste final de século. Além de ter o drama da Aids como ponto de partida, a peça marca um novo momento na dança moderna americana, que ao longo das últimas décadas produziu manifestações revolucionárias, mas quase sempre voltadas para a beleza e a complexidade formal dos movimentos.
Bill T. Jones lidera uma nova geração que faz da dança quase um manifesto. Centro das atenções da imprensa internacional reunida em Lyon, Jones consolida a tendência americana de resgatar a dança de conteúdo expressivo, que vai além das formas para comunicar as inquietações do momento.
Negro, soropositivo, 42 anos, Bill T. Jones criou "Still Here" a partir de 11 "workshops de sobrevivência" que ele realizou durante quase um ano com doentes terminais, não só vítimas de Aids.
Com duas horas de duração e um intervalo, "Still Here" é interpretado pelos dez magníficos bailarinos (cinco homens e cinco mulheres) da Bill T. Jones/Arnie Zane Dance Company –grupo fundado em 1982 por Jones e seu parceiro Arnie Zane, que morreu de Aids em 1988.
O cenário se compõe, basicamente, de cubos de vários tamanhos e efeitos de iluminação, criados por Robert Wierzel. Valendo-se de seu apurado senso plástico, Jones distribui a movimentação dos bailarinos com um equilíbrio de mestre –como se estivesse pintando um quadro em eterno movimento.
Várias telas de vídeo dividem a cena com os bailarinos, compondo uma segunda dimensão de personagens. As imagens geradas pela videomaker Gretchen Bender a partir de cenas dos "workshops de sobrevivência" conferem uma qualidade narrativa, não-linear, à coreografia.
Os textos, recolhidos nos workshops, receberam tradução em francês para a estréia em Lyon, sendo projetados em uma tela colocada no alto do palco. De início, são os próprios bailarinos que desenvolvem algumas falas, pronunciando nomes que compõem uma espécie de litania rítmica. "John, Susan, Alice, Bill, Tom, John, Susan", são grupos de nomes mencionados em meio a sequências de movimentos e comentários gravados, sobre sensações perante a vida ou a morte.
Na segunda parte, "Here", os bailarinos trocam as roupas de tom pastel do primeiro ato por figurinos igualmente simples (pantalonas, calções e camisetas) de cor vermelha.
Entra a música mais energética de Vernon Reid. A coreografia continua a se basear nas técnicas de "contact improvisation" (em que um parceiro serve de apoio ao outro de formas imprevisíveis), sempre se inspirando nos movimentos que Jones estimulou entre os participantes dos workshops.
Metáfora sobre a condição humana, "Still Here" também mostra a esperança como sentimento inerente. Só que Bill T. Jones não deixa por menos. Disposto a provocar reflexões e a mexer com a inércia de um mundo visto pela TV, ele faz do fim de "Still Here" um confronto com a morte.
Seu próprio rosto surge num vídeo que um bailarino passa a mover em círculos pelo palco, conduzindo o espetáculo para um final vertiginoso e apoteótico, que mereceu uma longa ovação do público, que, certamente, participou de um momento marcante da arte atual.

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