São Paulo, sábado, 17 de setembro de 1994 |
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Pára-quedas com rádios prenunciam invasão
PHIL DAVISON
No fim das contas o pára-quedas não carregava um homem, apenas um caixote contendo algumas dúzias de aparelhinhos de rádio AM/FM, bem acolchoados –cortesia do "Tio Sam". Se a intenção dos americanos era permitir que os haitianos sintonizassem o discurso de Bill Clinton sobre o Haiti, não funcionou: os radinhos chegaram com meia hora de atraso, por volta das 22h (horário local) da quinta-feira. Felizmente para Clinton –cujo predecessor, George Bush, inadvertidamente matou alguns camponeses curdos com pacotes de alimentos enviados por pára-quedas ao Iraque, em 1991–, não consta que os caixotes tenham atingido algum haitiano. Foram vistos vários pára-quedas, transportando um total de possivelmente 1.000 radinhos, mas ninguém se apressou a pegá-los. A polícia e os militares haitianos desconfiavam que os pacotes contivessem bombas escondidas. Os cidadãos comuns temiam que alguém apanhado com um dos radinhos pudesse ser acusado de ser espião americano. O ronco dos aviões, os pára-quedas, os navios de guerra e helicópteros no mar próximo ao Haiti e o discurso de Clinton deixaram os haitianos quase certos da iminência da invasão. Os ricos –entre eles o próprio general Raoul Cedras– viram Clinton ao vivo na TV CNN. A população ouviu a notícia na "rádio Diol" (}boca, no idioma crioulo: a rede local de transmissão de rumores), mas não se mostrou muito interessada. Excetuando a pequena minoria de mulatos ricos que vive em casas luxuosas na parte alta de Porto Príncipe, poucos haitianos têm qualquer concepção do }direito à vida, liberdade e felicidade citado por Clinton. Tampouco iriam se comover com suas referências explícitas a }órfãos executados ou }partes de corpos deixados como aviso. Essas coisas são corriqueiras por aqui. E foram igualmente comuns durante os dois regimes Duvalier –o de François }Papa Doc e o de seu filho, Jean-Claude }Baby Doc–, que por muito tempo contaram com o apoio de sucessivos governos norte-americanos. Não havia tensão nas ruas de Porto Príncipe ontem. Expectativa e curiosidade, sim. Os habitantes perguntavam aos jornalistas quando os fuzileiros navais americanos iriam desembarcar, mas a maioria se mostrava mais preocupada em saber de onde viria sua próxima refeição. A grande maioria, para quem nada pode ser pior do que o medo e a fome que passa atualmente, parece saudar a invasão. As ameaças proferidas pelo general Cedras e sua equipe canadense de relações públicas –de que os haitianos travariam uma }guerra civil contra os americanos– parecem não passar de retórica. Na viagem que fizemos na quinta-feira, atravessando o Haiti vindos da República Dominicana, nada indicava que os haitianos pretendessem lutar. Um único soldado carregando um fuzil M-16 de fabricação americana estava sentado no posto fronteiriço de Mal Passé, às margens de um lago, e brincou conosco enquanto barcos iam e vinham do lado dominicano, descarregando latões de gasolina e caixas de uísque. Ele e um "adido", armado com um fuzil da 2ª Guerra Mundial, pareciam ser a única defesa do país nos 48 km mais próximos da fronteira. Foi só em Croix des Bouquets, a meia hora da capital, que encontramos mais soldados, também à vontade, descansando dentro de seu quartel. Na capital, o porta-voz da embaixada dos EUA, Stanley Schrager, disse que os 3.500 cidadãos americanos no Haiti foram aconselhados a ficar em casa entre as 19h e 6h, por tempo indeterminado. Os militares haitianos impuseram um toque de recolher das 19h às 7h nas estradas nacionais. A medida não afeta a capital, mas poucas pessoas se aventuraram a sair às ruas quinta à noite, surgindo apenas depois do sol raiar, ontem, para fazer a cidade voltar à sua agitação normal. Tradução de Clara Allain Texto Anterior: Ex-presidente mudou imagem Próximo Texto: Clinton teme voto do Congresso Índice |
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