São Paulo, sábado, 17 de setembro de 1994
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Por que o Haiti?

A intervenção dos Estados Unidos no Haiti é iminente. O presidente Bill Clinton, em seu pronunciamento de anteontem, afirma que os EUA não estão desempenhando, como se insinua, o papel de polícia do mundo, e que a ação será uma resposta aos atos de desumanidade dos militares haitianos.
O argumento parece contraditório. Afinal, barbaridades inomináveis foram vistas aos borbotões na Bósnia, em Ruanda, na China, para citar apenas alguns exemplos.
O presidente norte-americano cita também outras razões mais plausíveis, mas nem por isso totalmente convincentes, como um possível aumento do fluxo migratório de haitianos aos EUA; a importância de manter a credibilidade da ONU e de Washington, que há três anos tentam devolver o poder ao presidente deposto, e a necessidade de garantir a democracia nas Américas.
São razões que ou se contradizem ou se mostram frágeis para justificar os riscos de uma invasão militar, que pode, em tese, tomar contornos de pesadelo como aconteceu recentemente na Somália.
Mas por que o Haiti? Seria uma ação direcionada também para angariar dividendos políticos domésticos? Ou seria simplesmente porque o Haiti é "aqui", no outrora chamado "quintal" dos Estados Unidos?
Não se pode deixar de reconhecer o ambiente de terror e intolerância vigente hoje no Haiti. Não se pode ignorar que um governo democraticamente eleito foi derrubado naquele país. É uma situação sem dúvida condenável, mas, a seguir a lógica da intervenção externa em assuntos internos de um país, seria necessário admitir operações em diversos outros casos assemelhados. Os argumentos serviriam como uma luva, por exemplo, para justificar uma operação em Cuba.
A defesa da democracia, ao que parece, só merece a intervenção da mão armada quando é, digamos, conveniente. Sabe-se que no mais das vezes coerência é um atributo em falta na política. No âmbito internacional não é diferente. Mas neste período pós-Guerra Fria não parece totalmente utópico cobrá-la.

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