São Paulo, domingo, 18 de setembro de 1994
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Martina Navratilova escolhe a liberdade pela segunda vez

LAURENCE R. STAINS
ESPECIAL PARA O "USA WEEKEND"

Sim, é Martina Navratilova que está viajando esta manhã, na primeira classe. Ela divide o assento 2A do avião com K.D. (Killer Dog), um fox terrier miniatura tão pequeno que poderia caber numa lata de bolas de tênis vazia.
O mundo viu tantas vezes Martina saltando na quadra, durante tantos anos, que chega a ser perturbador vê-la como está nesse momento: deitada, sonolenta.
Quando ela espreguiça o corpo, estica o braço esquerdo, vencedor de tantos desafios. Então ela estica as pernas. Da barra da saia até os laços dos cordões das botas, suas pernas são reveladas em toda a sua perfeição muscular. Estão queimadas do sol de um fim-de-semana no litoral de Nova Jersey. Ela está bronzeada, parece descansada.
Depois de Martina terminar uma longa entrevista, uma comissária pede um autógrafo na página arrancada de uma revista. O passageiro no assento 2F consegue um autógrafo para sua sobrinha de 10 anos, de Cleveland ("Eu só queria dizer que você é o máximo!", ele diz). Finalmente, num momento de calma, ela dorme um pouco.
Esta é a vida de Martina Navratilova: a escravidão do circuito profissional feminino. Pelo menos, tem sido a vida dela nos últimos 20 anos. Martina anunciou que 1994 será sua última temporada.
Há duas semanas, deixou de disputar o US Open. Agora, ela está entrando na crescente lista de celebridades que começaram a escrever romances. Seu livro de mistério, "The Total Zone", está sendo lançado.
O livro fala sobre –adivinhe– uma ex-estrela do tênis profissional chamada Jordan Myles, que, através das idas e vindas da trama, acaba numa jornada espiritual, de autoconhecimento. Como Jordan vai perceber, é a jornada para "a vida além do tênis".
Hoje, Martina não vai tão longe. Só até Tampa, na Flórida.
"É mais fácil construir uma imagem do que mudá-la", diz Martina, que já teve muitas imagens desde que desertou da Tcheco-eslováquia durante o US Open de 1975, poucas semanas antes de seu 19º aniversário.
Ela nasceu em 18 de outubro de 1956. Cresceu numa pequena cidade próxima a Praga, onde jogava contra seu padrasto nas quadras de terra de um clube da prefeitura.
Aos 12 anos, já viajava para torneios na Alemanha. Aos 16, foi pela primeira vez aos EUA. Assim que colocou o pé fora do avião em Miami, começou uma excursão pelas lanchonetes de "junk food". Engordou 12 kg em 8 semanas.
No US Open de 75, ela mostrou um pouco da têmpera e da agressividade que a levariam ao topo, batendo uma de suas heroínas, Margaret Court, antes de perder para Chris Evert nas semifinais.
Meses depois, passada a euforia inicial com a liberdade, começou a sofrer com a separação de parentes e amigos. Depois de um ano, era "uma candidata potencial a um ataque de nervos, estava gorda e infeliz", como contou na autobiografia "Martina", lançada em 85.
Seu peso subiu para 72 kg (ela tem 1,70). Esses quilos a mais, ao contrário de sua imensa solidão, eram visíveis, e então estava formada a primeira de suas imagens:
Martina, a tcheca gorducha.
No final dos anos 70, ela jogava algumas vezes de maneira brilhante, outras vezes medíocre. Venceu seu primeiro título de Wimbledon em 1978, mas somou muitas derrotas. Declarou que seu sonho era vencer o US Open, no país que escolheu para morar, e cada derrota ali era um grande fracasso.
Em 1981, quando finalmente chegou a uma final do US Open, foi para perder de Tracy Austin, num terceiro set decidido no tie-break. Isso acabou formando sua segunda imagem:
Martina, a fracassada.
Foi realmente um ano ruim o de 1981. Sua vida pessoal virou notícia depois de um tumultuado rompimento com a novelista Rita Mae Brown. Em seguida, ela se envolveu com a ex-estrela de basquete Nancy Lieberman e, depois, com Judy Nelson, ganhadora de vários concursos de beleza.
Quando se separaram, Nelson acabou processando Martina, pedindo parte de sua fortuna. O processo veio em má época, na véspera de Wimbledon 91. Tudo isso forjou sua terceira imagem:
Martina, a lésbica.
Mas, como ela mesmo disse, isso é apenas o que ela é, não o que lutou para ser. Após a derrota para Austin em 1981, decidiu mudar.
Depois de atravessar os anos 70 sem treinador (praticamente a única no circuito nessa situação), procurou conselhos: treinamento físico e motivação vieram de Nancy Lieberman; a orientação no jogo, de Renne Richards e Mike Estep; relaxamento, de Rick Eistein; e até a dieta, do bem-sucedido autor Robert Haas ("Comer para vencer"), que a ajudou a trocar Big Macs por tabletes de baixa caloria.
Ela arregimentou algum ódio de outras jogadoras e da imprensa, que falavam mal de seus assessores, chamando-os de "time da Navratilova", mas a bem treinada Martina venceu seis torneios do Grand Slam consecutivos entre 1983 e 84 –incluindo, finalmente, o US Open.
Depois de outra queda de rendimento na segunda metade dos anos 80, ela voltou-se para Billie Jean King em 1989. "Ela me ligou e disse: 'Socorro!"', lembra King. A treinadora passou um ano deixando Martina pronta para seu histórico 9º título em Wimbledon.
Qual a maior contribuição de King? "Eu a ajudei a reencontrar o amor, a paixão e a diversão".
King trabalhou muito a concentração da tenista, segundo a própria Martina. "Eu aprendi a pensar melhor dentro da quadra. Quando um jogo terminava, eu dizia: 'Oh, eu deveria ter feito isso'. Bem, Billie me ensinou que, quando um jogo termina, ficou para trás. Tenho que pensar para a frente."
Agora, Martina já bateu suas rivais, calou seu detratores e se transformou em exemplo para as novas gerações de jogadoras.
Em sua terceira década de tênis, ela se tornou, como disse o passageiro do assento 2F...
Martina, o máximo.!
"Ela é a maior jogadora que nós já tivemos", diz o locutor Bud Collins, da rede norte-americana NBC. "Ela poderia jogar por mais cinco anos e ainda estaria entre as 20 melhores jogadoras do ranking mundial", avalia o principal locutor de tênis dos EUA.
Collins tentou convencê-la a continuar jogando, porque o tênis feminino ficaria muito esvaziado.
"Ela encara desafios", diz Collins. "Ousou jogar como quis, viver sua vida do jeito que quis."
Martina desvia seus olhos ao ser chamada da maior atleta feminina do século. Até dentro do mundo do tênis ela se mantém na defensiva: "Quem pode dizer que eu sou melhor que Billie Jean King ou Margaret Court? Era minha meta inicial, eu queria ser a melhor de todas. Mas, quanto mais perto eu cheguei disso... menos eu me preocupei. É bom estar nesse grupo das melhores, já basta."
Aos 37 anos, ela sabe que é hora de dizer adeus.
Em Wimbledon, ela foi à final, chegando perto de seu décimo título, mas perdeu para Conchita Martinez. Este mês, desistiu de participar do US Open, o que teria sido boa promoção para seu romance –que usa o torneio como cenário para seu clímax. "The Total Zone" é "arte imitando a vida imitando a arte", na definição de Martina. Mas, enquanto ela se recusa a discutir quais personalidades de sua vida foram modelos para seus personagens, fica feliz em falar sobre a trama, que tem paralelos com sua experiência.
Em um trecho, a personagem Audrey Armat, fenômeno do tênis de apenas 16 anos, foge dos pais que a maltratam. A heroína do livro, a treinadora Jordan Myles, é acusada de ter causado a fuga.
Myles procura por Audrey e acaba se confrontando com o namorado da garota, Alex, também uma estrela do tênis. O confronto acontece num bar gay. Não ficamos surpresos com a revelação de que Alex nunca foi namorado

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