São Paulo, domingo, 18 de setembro de 1994
Texto Anterior | Índice

Eta mau exemplo!

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

O Brasil disputa seriamente o campeonato de cassações. Em pouco tempo, suspendemos os direitos dos presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Congresso Nacional –entre outros.
O cancelamento da candidatura do presidente do Congresso Nacional pelo Tribunal Superior Eleitoral ameaça atingir outros políticos que, como ele, usaram e abusaram das facilidades de gráfica e postagem do Senado Federal.
É sempre tentador aos homens públicos o uso dos recursos do povo em benefício de causas pessoais. A correção desse mau hábito só pode ser alcançada através do aperfeiçoamento da fiscalização e da Justiça –como vem acontecendo. Mas, além disso, temos de tirar os recursos públicos do alcance das mãos de políticos mais ousados. Se a Argentina se apronta para privatizar até a sua Casa da Moeda (!), por que não fazer o mesmo, no Brasil, com a gráfica do Senado Federal?
O parlamentar atingido, no caso, alegou ser essa uma prática comum na Casa. Ainda assim, não há como defender a sua legalidade e muito menos a sua legitimidade. Já citei aqui a legislação eleitoral da Grã-Bretanha no campo eleitoral. Naquele país, os candidatos têm exatamente o mesmo tempo eletrônico para difundir suas idéias e podem gastar apenas US$ 15 mil em suas campanhas. Sim, o equivalente a US$ 15 mil. Só isso! São recursos irrisórios. Tanto que a maior preocupação dos candidatos não reside em levantar fundos, mas em gastar dentro daquele limite.
No Brasil, avançamos bastante ao se instituir o atual sistema de bônus. Mas, sozinho, ele não consegue conter a gula dos que se defrontam diariamente com uma montanha de recursos públicos "dando sopa". Por isso, não vejo por que o governo tenha que manter um parque gráfico sofisticado como o do Senado Federal, tendo como supervisores os próprios membros da corporação legislativa. É como pôr um vampiro para tomar conta do banco de sangue.
Não se deve confundir a defesa de interesses legítimos de grupos organizados com a prática de um lobbismo oportunista. A distinção entre os dois é clara. No primeiro caso, busca-se atender às necessidades dos grupos sem contrariar os interesses da nação. No segundo, isso é feito à custa da mutilação dos objetivos nacionais. Esta tem sido a regra dos grandes vetores da nossa extensa malha corporativista. Vejam o caso momentoso da recente onda de greves, exatamente por parte dos que mais ganham dentro do operariado do país.
Os dirigentes sindicais parecem pouco ligar para o que pode acontecer com o mínimo de estabilidade econômica que, a duras penas, foi até aqui conseguida.
Os grupos corporativistas, qualquer que seja a sua origem, merecem o repúdio da nação e a mais alta punição que o povo pode lhes aplicar: o desprezo. Isso é fundamental para o amadurecimento do nosso processo democrático. É doloroso ostentar, perante o mundo, o título de campeão de cassações. Paciência. Antes isso do que conviver indefinidamente com a corrupção e a impunidade. Esses fatos atestam, afinal, que o Brasil está dando importantes passos no sentido de fazer os governantes respeitarem os governados e não apenas o inverso.

Texto Anterior: POLÍTICA NO DIVÃ; EM PLENO VÔO; O BARDO E O PRÍNCIPE
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.