São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 1994
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É preciso modernizar as relações humanas

JAN ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Conheço a maioria dos candidatos à Presidência de outros tempos e sei que são homens bem-intencionados.
Em 1968, jantei com o exilado político Leonel Brizola em Londres. Em 1974, passei um dia em campanha com o desconhecido prefeito de Campinas Orestes Quércia. Em 1975, recebi o sociólogo Fernando Henrique em casa e em 1977 entrevistei o líder sindical Luiz Inácio da Silva em São Bernardo, falando a palavra tabu "greve".
Felizmente nunca precisei de um cardiologista no Rio... Saiu a ditadura, entrou a democracia. Mudaram os partidos, mudaram as leis, mudou o Brasil. Mas, engraçado, muitos nomes no poder continuaram os mesmos.
Em outros países são os partidos que ficam e os políticos que aparecem e desaparecem. Aqui é o contrário. Os políticos ficam e são os partidos que desaparecem e aparecem...
Os nomes são iguais, a cada eleição as suas promessas são iguais, mas, estranhamente, os problemas continuam também iguais. Será que há alguma conexão?
Em 1965, estive em Petrolina, uma pequena cidade a margem do grande rio São Francisco, e vi retirantes da seca acampados em baixo de uma ponte. Pareciam figuras saídas de um quadro de Portinari.
Em maio deste ano, voltei a Petrolina, agora uma cidade com prédios altos, viadutos, supermercados.
Mas, num moderno posto de gasolina, Asa Branca, vi outro quadro de Portinari: um exército de famintos, homens, mulheres e crianças lutando para um lugar nos caminhões que encostavam procurando braços para ganhar, naquela época, CR$ 2.000 ou CR$ 3.000 por dia. Eram bóias-frias, mas muitos nem bóia tinham nas suas sacolas.
"Esta aqui é a praça de desesperança", disse um. Em Petrolina, também visitei um galpão onde cortadores de cana moram durante seis ou sete meses no ano.
Parecia uma cena dos tempos de escravidão: homens exaustos deitados em redes na escuridão de uma lâmpada fraca, a fumaça de fogueiras, uma torneira para lavar os pratos. "Não sei se eu vou aguentar", disse Manoel, 51, que parecia um homem de 70.
Em Brasília, em agosto, assisti a um seminário sobre a escravidão, não do século passado, mas de hoje: Gilberto tinha fugido de uma fazenda, dona Pureza procurava o filho Antônio, desaparecido desde que foi trabalhar numa fazenda do Bradesco.
Esta semana, a Anistia Internacional entregou aos candidatos um denso relatório sobre direitos humanos no Brasil, descrevendo matanças, linchamentos e tortura, quase sempre de gente humilde.
Os candidatos falam em modernizar o Brasil. Falam em investir em infra-estrutura, em reformas fiscais e tributárias, na inserção do Brasil na economia mundial. Todos reconhecem os imensos recursos, o vasto potencial do Brasil.
Mas a história mostra que o maior recurso de um país é sempre o seu povo. Sem modernizar as relações humanas, sem investir na infra-estrutura humana, sem dar valor ao seu próprio povo, será possível levar o Brasil para o lugar que merece no mundo? Será que o próximo presidente entende isso?

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