São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 1994
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Êxitos e desafios do Plano Real

ÁLVARO AUGUSTO VIDIGAL

Não há como negar o sucesso do plano de estabilização econômica. Um indicador eloquente é o comportamento do índice de preços ao consumidor apurado pela Fipe, que se reduziu de 50,7% em junho, para 1,38% no período de 30 dias terminado em 7 de setembro. E isto sob a mais ampla liberdade de preços que o país já vivenciou.
Entretanto, o plano de estabilização não se esgotou na reforma monetária. Sua consolidação requer do governo constante monitoramento das variáveis macroeconômicas e determinação política para enfrentar os conflitos que naturalmente surgirão de um processo de ajustamento de tamanha envergadura e complexidade.
Um primeiro desafio foi agora colocado com a questão salarial envolvendo os metalúrgicos de São Paulo e as indústrias montadoras de veículos. O governo desautorizou o acordo selado entre empresas e sindicato, identificando no resultado das negociações um risco do retorno à indexação salarial.
Em outras palavras, uma das âncoras do plano governamental ficaria em xeque se validado o acordo com metalúrgicos e montadoras. Como se sabe, o governo ancorou o programa de estabilização num conjunto articulado de medidas nas áreas monetária, fiscal, cambial e salarial.
Na área monetária, continuamos dentro das metas de expansão da base monetária, apesar da remonetização ocorrida em julho.
Na área fiscal, temos um equilíbrio –ainda que precário– viabilizado pelo Fundo Social de Emergência. Com a acentuada valorização do real frente ao dólar, a política cambial é mais um fator a colaborar para o controle da inflação.
E com respeito aos salários, o programa fixou-os na média do período novembro/93 - fevereiro/94, prevendo-se a correção de perdas acumuladas apenas nas datas-base.
E é neste ponto que o acordo entre metalúrgicos e montadoras é interpretado como uma ameaça concreta aos objetivos do plano. Na esteira desse acordo, outras demandas salariais poderiam vir à tona, restaurando o famigerado mecanismo da indexação de salários e preços.
A questão salarial tende a realçar ainda mais outro grande desafio atual do plano de estabilização, localizado na nova política cambial do governo. Determinado a retirar-se do mercado de câmbio, o Banco Central deixou o real valorizar-se de forma acentuada, com o dólar chegando a valer apenas 85 centavos do real.
Se os salários forem contemplados com aumentos reais, a relação câmbio-salário tornar-se-á insuportável para os exportadores e para a indústria nacional como um todo, que agora assiste a mais uma rodada de redução de tarifas alfandegárias.
Mesmo sem levarmos em conta eventuais aumentos de salários, se a tarifa média cai para algo em torno dos 12%, um deságio de 15% no câmbio torna negativa a proteção efetiva da indústria nacional.
Nesta área do câmbio, o governo tem hesitado em tornar as medidas recomendáveis para restabelecer o equilíbrio entre oferta e demanda de divisas. Embora a flexibilidade da taxa de câmbio (na ponta de compra) configure um avanço, permanecem restrições sobre a demanda de divisas, incompatíveis com a liberdade de mercado e injustificáveis diante da folgada posição das reservas internacionais.
É necessário que o governo libere o mercado de câmbio, permitindo o carregamento de divisas por parte de empresas, investidores institucionais e demais instituições financeiras, além dos bancos autorizados a operar nesse mercado. Tal providência restabeleceria o equilíbrio da taxa de câmbio e desanuviaria o quadro de expectativa e nervosismo que vem atingindo industriais e exportadores.
Em resumo, a estabilidade econômica vai deixando de ser um sonho e ganhando contornos de uma agradável e desejada realidade. No curto prazo há, porém, dois grandes desafios a serem superados pelo governo: o espectro da reindexação via reajustes salariais e o efeito perverso da valorização do real sobre as exportações e sobre a competitividade da indústria nacional.
A médio prazo, o principal desafio caberá ao próximo governo: promover uma reforma constitucional que permita avançar soluções para o quadro caótico em que se encontram a estrutura tributária e o sistema da previdência social.
Somente então teremos feito um verdadeiro ajuste fiscal e preparado o terreno para a modernização econômica do país e para um novo ciclo de crescimento econômico sustentado, com estabilidade de preços.

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