São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 1994
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500 mil jovens abortam no Brasil por ano

GABRIEL BASTOS JUNIOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Aborto foi ponto mais polêmico no Cairo
Prática é ilegal no Brasil mas atinge 500 mil jovens por ano segundo estimativas, quase um para cada parto
O ponto mais polêmico na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento da ONU, que aconteceu no Cairo (Egito), foi a questão do aborto.
"Mesmo sendo ilegal, o aborto é uma triste realidade no Brasil", diz o ginecologista Nelson Vitiello, 54, presidente da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana (SBSH).
Débora dos Santos, 18, ficou grávida na única relação que teve com o namorado. "Só fui pensar que devia ter me previnido no dia seguinte", diz.
Ela chegou a considerar a possibilidade do aborto. "Se minha mãe me mandasse embora de casa eu tirava. Mas ela me apoiou, mesmo contra a vontade do meu pai", conta a menina, hoje com uma barriga de seis meses.
Segundo Vitiello, não existem estatísticas exatas sobre aborto no país, mas a SBSH fica com as estimativas mais otimistas, que falam em 1,5 milhão de abortos por ano no país.
O problema não é menor entre adolescentes. "Segundo o IBGE, temos 560 mil mães adolescentes no país. Calculamos que o número de aborto seja em torno de 500 mil –uma relação de quase um para cada nascimento", diz.
Vitiello é coordenador de pesquisa do Pampa (Programa de Assistência Médica e Psico-Social à Adolescência), da faculdade de medicina de Santo André.
Segundo ele, 25% das jovens que procuram o serviço dizem já ter feito pelo menos um aborto.
Curiosamente, este percentual sobe quando se trata de jovens de classes mais altas.
Ele acompanhou 300 adolescentes grávidas que procuraram seu consultório particular e concluiu que 80% acabavam provocando aborto.
Ilzo Vianna Jr., 39, do Grupo de Adolescentes, programa do Hospital dos Servidores Públicos Estaduais de São Paulo, diz que muitas de suas pacientes falam que decidiram abortar e somem.
"Provavelmente elas provocam o aborto, mas é impossivel ter um controle disso", diz.
Ilzo alerta para o fato de que o número de casos de gravidez entre adolescentes está crescendo.
No hospital dos servidores, por exemplo, o número de partos em adolescentes cresceu 30% entre 1989 e 1993.
"Mesmo a campanha da camisinha contra a Aids parece não ter resultado. O jovem ainda tem aquela idéia infantil de que não vai acontecer com ele."
Outros fatores influenciam uma gravidez precoce. "Pode servir como uma fuga de um lar desestruturado, um desafio à família e à sociedade", diz.

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