São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 1994
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Astro norte-americano diz que transição ocorre a cada 5 anos

FERNANDO CANZIAN
DE NOVA YORK

O norte-americano Charles Frederick Kiraly, 33, é considerado até hoje um dos mais completos jogadores de vôlei do mundo.
Filho de húngaros, que fugiram da invasão soviética em 1956, "Karch" Kiraly aprendeu vôlei e futebol com o pai, na praia californiana de Santa Bárbara.
Foi convocado para a seleção norte-americana pela primeira vez em 81, como levantador, depois de atuar nos times de colégio e da Univerisdade da Califórnia, em Los Angeles. Um ano mais tarde mudou de posição: se tornou um atacante/passador.
Em dez anos, foi campeão olímpico duas vezes (em Los Angeles, 1984, e em Seul, 1988) e conquistou o primeiro lugar na Copa do Mundo do Japão (1985) e no Campeonato Mundial de Vôlei disputado na França (1986).
Ainda hoje, longe das quadras, Kiraly continua sendo o maior astro do vôlei de praia nos EUA.
Na temporada 93/94, o bicampeão olímpico foi considerado o melhor jogador no ranking da AVP (Association of Volleyball Professional), circuito que reúne os maiores jogadores de vôlei de praia do mundo.
Este tipo de título não é novidade para ele. Em 1986, quando defendia o time norte-americano, foi considerado o melhor do mundo nas quadras.
Além das vitórias, Kiraly embolsou US$ 468 mil em prêmios na temporada, sem contar o dinheiro ganho com vários contratos publicitários.
Em entrevista exclusiva à Folha, Kiraly comenta as recentes mudanças no esquema tático do esporte, critica a equipe norte-americana e diz que o Brasil tem "o melhor time do mundo".
Na opinião do jogador, a sucessão na liderança de um país em um esporte como o vôlei ocorre a cada ciclo, de aproximadamente cinco anos, quando várias peças se encaixam perfeitamente.
"Em alguns anos, outro país vai superar o Brasil, assim como aconteceu com os EUA", prevê.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista telefônica concedida por Kiraly à Folha:

Folha - A seleção brasileira masculina de vôlei tem obtido vitórias significativas em várias competições, embora ainda esteja distante das conquistas dos Estados Unidos na época em que você jogava. Na sua opinião, como acontece a sucessão entre grandes equipes na liderança desse esporte?
Charles Frederick Kiraly - Infelizmente, não tenho visto o Brasil jogar ultimamente, mas sei que o país tem um excelente time. Acho que o que acontece hoje em dia é que o Brasil tem um grupo especial de jogadores, todos da mesma idade, e que treinaram juntos e com força durante muito tempo. Acabaram formando um grande time.
Mas, daqui a cinco anos, quando esses mesmos jogadores ficarem mais velhos, outro país vai surgir com novos jogadores de uma mesma safra que passou por uma experiência parecida com a dos brasileiros.
Esse novo time, formado por uma nova geração, vai superar o Brasil.
O maior exemplo do que estou dizendo é o que aconteceu com o time norte-americano. Nós tivemos um grupo especial de jogadores em 1984 e em 1988.
Agora não temos mais nada disso. Perdemos a nossa vez para outros. Passou. Isso não aconteceu por causa do desinteresse pelo esporte, mas porque uma grande seleção acontece a cada ciclo, com um conjunto de vários fatores que se encaixam. Dessa vez ele não aconteceu para nós.
Folha - O esquema tático do vôlei mudou nos últimos anos, tornando as partidas mais duras e exigindo maior força dos jogadores. O que você acha desta tendência?
Kiraly - O que mudou, basicamente, é que antes apenas três ou quatro jogadores subiam para bater na bola e o esquema de jogo, com este conceito, era outro.
O vôlei de hoje realmente é um jogo de força, com todos os jogadores na quadra subindo para cortar e bater.
Não acho que isso seja bom ou ruim, já que foi uma mudança natural, uma evolução. Os brasileiros estão adotando bem esta tática. E estão conseguindo ser os melhores. Tem funcionado.
Folha - A seleção de vôlei norte-americana não tem obtido muitas conquistas nas quadras. Como você qualificaria o time do seu país atualmente?
Kiraly - Diria que a atual seleção de vôlei dos EUA é muito ruim. Muito ruim mesmo. Basta ver que perdeu todos os jogos de que participou recentemente.
Folha - Você disse que o interesse pelo esporte continua vivo, mas muitos jogadores, é o seu caso, interessaram-se pelo vôlei de praia no lugar do tradicional. É uma mudança?
Kiraly - Como o vôlei de praia faz muito sucesso no país, com dezenas de competições e oportunidades, muito mais pessoas e jogadores profissionais estão interessados em praticar o esporte.
O vôlei de praia é mais popular hoje do que foi o vôlei "indoor" na minha época. Mas isso não quer dizer que o interesse pelo vôlei tradicional esteja esgotado. Há espaço para todos.
Folha - Você não pensa em voltar às quadras como treinador de um time importante ou como técnico de uma futura e talvez bem-sucedida seleção norte-americana?
Kiraly - Não, mas tenho planos de trabalhar no futuro como técnico de times infantis. Mas não me passa pela cabeça, e não tenho o menor desejo, de voltar ao vôlei como técnico de times profissionais ou como treinador da seleção olímpica.
Não participo mais desse tipo de jogo. Mudei. Agora estou no vôlei de praia, onde tenho ganhado a maioria das partidas que jogo.
Folha - Você conhece outros jogadores de vôlei de praia do Brasil?
Kiraly - Conheço os jogadores brasileiros Anjinho e Loyola (que também participam de campeonatos na Califórnia). Eles são muito bons. Nós jogamos nos mesmos campeonatos nos fins-de-semana, mas, como já disse, minha dupla tem ganho quase todos os torneios recentes.
Folha - Qual a sua recomendação para os jovens que pensam em se tornar grandes jogadores de vôlei?
Kiraly - Minha recomendação é que assistam a todos os jogos onde o melhor time de vôlei do mundo, que hoje é o Brasil, estiver participando. Que acompanhem os passos de ídolos como Tande e Negrão e que aprendam a ser os melhores, como a seleção brasileira tem sido.

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