São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O bode expiatório da crise na saúde

ARLINDO DE ALMEIDA

Desde a década de 60, o Brasil e outros países tentam resolver a questão da saúde através do Estado e encontram o insucesso. Redundaram em fracasso todas as iniciativas que depositaram exclusivamente na via estatal a responsabilidade pela solução da assistência médica.
A razão é simples: o Estado é um péssimo administrador e gerenciador de recursos e não consegue supervisionar qualquer tipo de plano. Os problemas vão desde a falta de continuidade administrativa até a dispersão quase total dos objetivos dos programas.
Recursos destinados ao pagamento de assistência médica em hospitais conveniados são alocados para outros setores completamente distintos como, por exemplo, pagamento de servidores na área da saúde. Assim, não há plano que resista ao grau de incompetência estatal de gerenciamento.
Por outro lado, em meados da década de 60, surgiu no Brasil a medicina social privada, representada pelo planos privados de saúde e ocupando um vazio deixado pela incompetência estatal.
Ela tornou-se um modelo de atendimento à população e, embora não estatal, caracteriza-se por atingir uma extensa camada de usuários, inicialmente por intermédio do convênio empresa e posteriormente pelos planos individuais e familiares de saúde.
O sucesso alcançado por este sistema foi total. Os empresários passaram a contratar tais planos para seus operários e familiares, da mesma forma que a classe média, apesar dos recursos que continuavam a dispender com o Estado, através do recolhimento para o Instituto Nacional de Seguridade Social.
Embora contribuindo em duplicidade para o mesmo objetivo, a necessidade de um atendimento eficaz à saúde impunha tal sacrifício, pois o sistema estatal deixava muito a desejar. Ignorava-se o direito constitucional à saúde, como dever do Estado.
O sistema privado, que atinge hoje cerca de 32 milhões de brasileiros, jamais pretendeu suprir todas as necessidades na área da saúde, pois estas implicam na promoção de condições ambientais, saneamento básico, controle das epidemias e endemias e na vigilância da qualidade dos alimentos e medicamentos, atividades que só podem ser exergidas pelo Estado.
O modelo privado pretendia e pretende constituir-se tão somente num importante instrumento na área de assistência médica. Trata-se de um sistema que oferece atendimento de boa qualidade e abrangência variada, de acordo com os desejos que o beneficiário expresse e de suas possibilidades econômicas. Sua abrangência é social, isto é, procura atingir a maior camada possível de usuários, sem jamais sonhar ser um sistema que atenda a totalidade da população.
Enquanto a situação é caótica na área pública, cobranças incoerentes são feitas ao sistema privado de saúde, como se fosse ele os responsáveis por tal situação. Desconhece-se, inclusive, que este é um sistema que consegue atender, com bom nível, uma população de milhões de pessoas, em suas necessidades principais na área da assistência médica hospitalar.
Tal cobrança indevida chega ao ponto de ameaçar a subsistência de todo o segmento privado, ao se exigir que ele propicie uma assistência ilimitada na cobertura de doenças e uma diminuição impraticável nos níveis de carência.
Essa cobertura ilimitada tornaria proibitiva a utilização dos planos privados de saúde pela grande maioria da população, que ficaria impossibilitada de arcar com o aumento dos custos. A diminuição ou abolição das carências acabariam com os mecanismos que permitem a sobrevivência do sistema, no que diz respeito aos planos individuais e familiares.
Sem dúvida, há necessidade de regulamentação do sistema. Porém, concomitantemente, deve-se atentar para estes aspectos, sob pena de reduzirmos os sistemas privados de saúde à mesma falência do sistema público.

Texto Anterior: Vôo difícil; Cinema em casa; Nova razão; Destaque externo; Ao vivo; Decisão interna; Movimento bancário; Nova empresa; Capital social; Sem conversão; Números gaúchos; Jogo de cena
Próximo Texto: Aids, um problema econômico
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.