São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 1994
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O plano da bruxa

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Uma bala perdida matou anteontem a menina que ia para o colégio, no Grajaú, aqui no Rio. O que será uma bala perdida que mata alguém? Perdida não deve ser: é ganha. Afinal, quem atirou desejava matar alguém. Pode ter errado de alvo, mas não de bala: pelo menos aquela não foi perdida.
Os jornais exibem gráficos sobre balas –perdidas ou ganhas. Garantem que a violência urbana já provocou mais mortes do que o Vietnã. Não tenho como negar ou aceitar a estatística. Mas tudo é possível –dizia Machado de Assis.
O que os jornais não chegam a esclarecer é que no território das grandes cidades há dois países em luta –ou dois lados de uma mesma nação, como no caso do Vietnã.
Não se trata de uma guerra vulgar entre bandido e mocinho, mas de "duas vontades em conflito" –como costuma ser definida qualquer guerra de verdade.
De um lado, estão os 30 ou 35 milhões de brasileiros que comem todos os dias, que têm acesso às escolas e aos empregos –isso para dizer o mínimo. Do outro lado estão os cento e tantos milhões que vivem entre a pobreza e a miséria. Não se trata de uma luta entre pobres e ricos. É pior: o banditismo é o caminho mais curto para o pobre pensar que pode viver como rico –ou chegar perto. Vale tudo para chegar lá –tal como fazem os ricos quando, por exemplo, disputam o poder.
Os meios não são idênticos, mas análogos: cada qual usa a arma que tem. As vítimas são –como todas as vítimas que se prezam– inocentes. Nunca foi feita a estatística das vítimas dos planos Cruzado, Verão, Collor, Bresser. Cada vez que um grupo de economistas se reúne em nome do governo, alguma coisa de letal está sendo preparada: uma bala perdida será disparada.
O Plano Real, tirante o estágio eleitoral e açucarado, será irreal a partir da realidade do próximo governo, seja ele qual for. Suas vítimas, como o Joãozinho e a Mariazinha do conto infantil, estão sendo engordadas e engodadas pela bruxa que os deseja mais gordos.

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