São Paulo, quinta-feira, 22 de setembro de 1994
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Galeria mostra 63 desenhos de Di Cavalcanti

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto se organiza um movimento para exumar o filme que Glauber Rocha fez do velório de Emiliano Di Cavalcanti (1897- 1976), voltam à vida 63 desenhos do mestre modernista.
Talvez a exposição que a galeria Grifo abre hoje seja bom estímulo para que o filme seja liberado, ainda que "revival" de artista plástico no Brasil pareça mais improvável que reencarnação.
Bem que Di mereceria um décimo que fosse de discussões como a que o "revival" Nelson Rodrigues provocou em 1993, embora sua obra faça pensar em Jorge Amado ou Vinicius de Morais.
É o mesmo humor lírico e o mesmo gosto pelo vulgar que através desse humor deixa de ser vulgar. E a mesma importância da figura feminina como fio sedutor, ops, condutor da narrativa.
Talvez por esse motivo Di tenha sido o artista brasileiro que mais motivou composições literárias –poemas de Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Morais e Manuel Bandeira, crônicas de Antonio Maria e outros.
Drummond talvez tenha feito a melhor, como cita o crítico Olívio Tavares de Araújo no catálogo: "Que união floral existe/ entre as mulheres e Di Cavalcanti?/ Se o que há nelas de fero ou triste/ a ele se entrega, confiante?"
Os desenhos reunidos foram feitos por Di em Paris, de 1937 a 1940, e arrematados por diversos colecionadores brasileiros em leilão em Nova York em 1985.
Não à toa os mais atraentes da exposição, à primeira vista, são os de mulatas, mulheres da vida e outras fêmeas que Di, num traço gracioso e sinuoso, retrata rechonchudas e sensuais.
Mas a exposição não é só isso. Traz também o Di cartunista e caricaturista, com toda sua experiência de jornal. O traço nessas ilustrações é firme, e o humor lírico é trocado por outro mais corrosivo e circunstancial. Di foi um dos grandes ilustradores do país –e olhe que ele pertenceu à geração brilhante de Nássara, J. Carlos e outros craques.
As cenas de bar, os tipos, o contexto social (um dos melhores desenhos mostra desempregados lendo jornais) do Di ilustrador, ao lado das mulatas maliciosas do Di do estigma ("pintor de mulatas"), formam um conjunto que faz pensar no pintor francês Toulouse-Lautrec (1864-1901), que em litografias fez panorama semelhante –embora com muito mais inventividade, é preciso dizer.
Di, por sinal, era melhor desenhista que pintor. Seu talento era para traços e volumes, não para cores e planos. E, como diz Araújo, foi dos melhores desenhistas brasileiros, ao lado de Guignard, Ismael Nery, Lasar Segall e dois não-citados no catálogo, Portinari e Flávio de Carvalho. Para eles, desenho não era arte menor –por mais que isso assuste numa época em que nenhum artista com menos de 40 anos sabe desenhar.

Exposição: Desenhos da Década de 30
Artista: Di Cavalcanti
Onde: Grifo Galeria de Arte (r. Benedito Chaves, 153, tel. 011/280-6831, Jardins, zona sul de São Paulo)
Quando: abertura hoje, às 21h; até 22 de outubro
Visitação: de segunda a sexta, das 10h às 19h; sábados, das 10h às 14h
Quanto: a partir de US$ 1.500

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