São Paulo, quinta-feira, 22 de setembro de 1994
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Soprano valoriza mais texto que música

LUÍS ANTONIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

A soprano Eva Marton deixou Budapeste em 1972 e se tornou uma "persona non grata" do regime comunista húngaro, monitorado por Moscou. Mas desde 1984 ela tem estreitado relações com a terra natal.
Seu filho acaba de se formar em cinema em Budapeste e mora na capital húngara. Isso faz com que Eva e o marido viajem constantemente para lá.
Abaixo, a cantora conta o que pensa sobre a moda dos cantores de ópera em estádios e o que está preparando para o cinquentenário da morte do compositor Béla Bartók (1881-1945), seu conterrâneo.

Folha - Como você consegue cantar ao mesmo tempo Puccini e Wagner, Verdi e Strauss? Há uma chave para o ecletismo?
Eva Marton - Sou especialista em Wagner, Strauss e Puccini. Mas posso me orgulhar da educação que tive na Academia Ferenc Liszt de Budapeste. Lá me ensinaram que eu deveria cantar todos os gêneros, todos os papéis, enfrentar todos os desafios.
Apresentei-me em Budapeste há uma semana e percebi que essa orientação ainda dá resultados.
Também aprendi muita técnica vocal. Não foi fácil, mas valeu a pena. Tenho por princípio, por exemplo, não cantar papéis diferentes num mesmo período.
Não conseguiria trabalhar na Ópera de Viena por esse motivo. Lá os cantores fazem cinco papéis por semana. Eu faço Elektra durante uma semana em cinco récitas no máximo. Não me importo com virtuosismo. Ninguém quer saber mais de exibição fácil de dotes vocais.
Folha - Até que ponto a representação é importante para um cantor de ópera?
Eva - Conhecer o texto é fundamental para um cantor. Sem texto é impossível interpretar com o mínimo de credibilidade. Eu não sou uma dançarina. Logo, preciso me expressar por palavras. Os libretos se tornam meus à medida que os internalizo.
O texto é mais importante do que a música na ópera. Admiro os libretos de Wagner, que os escrevia com incrível talento poético. Gosto dos de Hofmansthal para Richard Strauss. Acho as óperas de Monteverdi cheias de carga dramática.
Folha - Por falar nisso, você já cantou Monteverdi?
Eva - No início da carreira, ainda em Budapeste, interpretei "L'Incoronazione di Poppea". É muito fácil para mim e também já passei da idade para certos papéis. Das 90 óperas que tenho no repertório, canto hoje de fato 40.
Folha - Por que você vive em Monte Carlo? Você nunca pensou em voltar a Budapeste?
Eva - Tenho que viver em algum lugar. Cidades são muito frias, e o ar é muito úmido. Prejudica minhas cordas vocais. Em Monte Carlo abro a janela e vejo a praia, quieta, sem interferência urbana. É um lugar de paz, onde posso correr, nadar e fazer ginástica.
Troquei Budapeste em 1972 por Frankfurt (Alemanha). Lá cantei na ópera por cinco anos. Depois fui para Hamburgo, onde trabalhei por sete anos. Eu e meu marido obtivemos passaporte alemão e conseguimos criar dois filhos. Temos uma moça de 20 anos, que estuda design em Stuttgart. Nosso filho tem 28 anos, formou-se em cinema e mora em Budapeste. É um bom pretexto para voltar para lá várias vezes por ano.
Desde 1984 mantenho boas relações com a Hungria. Até então, era "persona non grata". Não podia cantar lá.
Folha - Quais seus planos de gravação e apresentações?
Eva - Acabo de gravar "Lohengrin" pela BMG Ariola. A regência é de Colin Davis. O disco está saindo até o fim do ano. Para a EMI vou gravar no ano que vem "Parsifal", com Bernard Haitink.
Óperas ao vivo acontecem aos montes. Em novembro, faço em Hamburgo "O Crepúsculo dos Deuses". Serei Brunnhilde. Lodo depois, canto "Turandot" em Sydney (Austrália). Em 1996, me apresentarei em "Tristão e Isolda" na Ópera de Washington.
Folha - Em 1995 se celebra o cinqentenário de Bartók. O que você prepara para a ocasião?
Eva - Vou comemorar no teatro La Fenice em Veneza. Serei Judith de "O Castelo de Barba Azul", de Bartók. Também vou cantar "Erwartung", de Schoenberg.
Folha - Qual a sua opinião sobre Bartók?
Eva - É o nosso grande compositor nacional. Ele se tornou popular na Hungria nos últimos 20 anos. É comentado e tocado.
Folha - Qual o seu maestro favorito?
Eva - Colin Davis se tornou um dos meus preferidos, tanto pela competência como pela gentileza com que conduz os ensaios. Mas o meu favorito mesmo é Zubin Mehta. É um grande amigo meu. Uma pessoa humana incrível. Sempre procuro ajeitar minha agenda com a dele para nos apresentarmos juntos. Sua competência é fantástica.
Folha - O que você acha da moda lançada pelos tenores Carreras, Domingo e Pavarotti? Você gosta de cantar em estádios para grandes multidões?
Eva - Eles fazem muito bem o espetáculo. Porque cantar em estádios virou um ótimo negócio e um show. Cansei de cantar Turandot (esse papel me persegue) em estádios em Barcelona, no Wimbledon em Londres, em Sydney. É gratificante ver a multidão vibrando. Não é o meu negócio, mas eu faço.
Folha - Há algum segredo para cantar diante da massa?
Eva - Nenhum. O técnico de som só pede que a gente cante em volume médio, sem forçar a voz. É muito confortável. Um novo mundo que se abre aos cantores.
(Luís Antônio Giron)

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