São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Ciro Gomes diz que bancos estaduais são 'excrescências'

GILBERTO DIMENSTEIN; EDIANA BALLERONI

Ministro afirma que consumo está chegando ao 'ponto de equilíbrio'
GILBERTO DIMENSTEIN
Diretor da Sucursal de Brasília
EDIANA BALLERONI
Coordenadora de Economia da Sucursal de Brasília
Os bancos estaduais são "uma excrescência". Para o ministro da Fazenda, Ciro Gomes, os Estados não deveriam ter bancos. O socorro que foi dado nos últimos dias ao Banespa, Banrisul e Banerj é uma etapa de transição: mudanças estruturais virão em breve.
Descontraído, o ministro recebeu a Folha para um almoço no ministério. Entre uma garfada e outra de farofa –"Eu introduzi a farofa no cardápio"–, Ciro disse que vai ser duro com os oligopólios, criticou o PT e os empresários.
Sugeriu que Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT à Presidência da República, está mais afinado com a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) do que com o governo na questão da redução das alíquotas de importação.
Afirmou que não haverá medidas anticonsumo neste fim de ano e que o plano de estabilização da economia não sofrerá mudanças após as eleições. "Esse é o Plano Mitsubishi: garantido até 95", brincou o ministro.'
Ciro Gomes fez questão de mostrar à Folha o livreto que acabou de receber da Universidade de Harvard –onde seu nome aparece entre os dos estudantes do próximo ano.
O ministro, contudo, não é mais tão enfático como costumava ser quando lhe perguntam sobre os seus planos para o próximo ano. Um reticente "Vamos ver..." é a frase que termina o comentário sobre Harvard.'
A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha – Os empréstimos que o governo está fazendo aos bancos estaduais não traz riscos ao plano?
Ciro Gomes – Temos claro que o sistema financeiro vai ter que ser transformado. Está se transformando. Essa área tem uma lógica especial que é a questão dos bancos estaduais, que como regra têm se ajustado.
O Banco do Piauí e o do Rio Grande do Norte foram fechados, o Banco de Pernambuco sofreu intervenção do Banco Central e fechou 78 agências, demitiu 3.000 funcionários.
Não foi feito em todo canto, e o grande problema é que esses bancos se transformaram em carregadores da dívidas dos Estados respectivos. Em alguns lugares essa coisa passou do limite patrimonial desses Estados.
Mas o volume disso é muito grande. Isto precisa ter um freio, precisa ser consertado em bases estruturais. Só que o plano tem um cronograma que impõe agora aperto monetário, fim da inflação, que impõe agora as consequências restritivas para esta fase.
Folha – Quais seriam essas mudanças estruturais?
Ciro Gomes – Resolver a situação patrimonial desses Estados. Precisa exonerar seus bancos disto. Há muitas idéias para se securitizar as dívidas. Mas isso vai depender da autonomia dos Estados. Em tese, os Estados terão que se desfazer de patrimônio e limpar esse passivo.
Folha – Privatizar?
Ciro Gomes – Pode ser o caso.
Folha – Os bancos privados argumentam que estão reagindo, mas dizem que os bancos públicos estão em um processo mais corporativo.
Ciro Gomes – Estamos falando de três bancos neste episódio do socorro: Banespa, Banerj e Banrisul.
Folha – Mas e o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal?
Ciro – Estão se ajustando.
Folha – O BB acumulou um prejuízo de US$ 500 milhões nos dois primeiros meses do real, contra um lucro no semestre de US$ 153 milhões. Ou seja, com dois meses de real gastou mais de três vezes o lucro de um semestre ...
Ciro Gomes – Todos nós sabíamos que a inflação era boa para alguém. E o fim da inflação é ruim para alguém. É ruim para o setor financeiro. O Banco do Brasil tem feito um esforço notável para se adaptar. A CEF, do governo Itamar para cá, saiu praticamente de uma situação deplorável.
Folha – Qual a necessidade da existência de bancos estaduais comerciais. Eles não agem como verdadeiros "bancos centrais" dos Estados?
Ciro – Tenho uma opinião antiga sobre o assunto. É uma opinião pessoal, não uma posição do governo. Na minha opinião é que é uma excrescência o Estado ter um banco. É muito vulnerável.
Folha – O governo pretende adotar medidas de restrição ao consumo no fim do ano?
Ciro Gomes – O que o governo pode fazer em relação ao consumo? Pode restringir a oferta de crédito, diminuir o que se chama demanda agregada –o fato de a pessoa poder comprar o seu salário mais o crédito que tem no mercado.
Se você restringe o crédito, diminui esta potencialidade. Isso nós já fizemos. Recuamos depois, é normal. Estamos em sintonia fina para as coisas andarem bem.
Outra alternativa seria incrementar a oferta, pois o consumo não é algo ruim. O consumo é mau se ele cresce muito em descompasso com a oferta. Aconteceu, mas a tendência do fenômeno é encontrar um ponto de equilíbrio –como achamos que já está acontecendo.
Já temos notícias de um arrefecimento das compras e de um crescimento na inadimplência no crediário.
Folha – O sr. está convicto de a redução do Imposto de Importação não vai afetar a indústria e o nível de emprego?
Ciro Gomes – A redução das alíquotas já estava decidida. Era um acordo –no âmbito do Mercosul– feito para entrar em vigor em 1º de janeiro.
Por razões táticas do plano de estabilização nós antecipamos o cronograma. Fizemos simulações. Se tudo o que está facultado for exercitado, as importações crescem 1% –US$ 220 milhões–, que é ninharia para um país como o Brasil e que não tem nenhum impacto em nenhum setor.
Como a economia está em expansão, nós estamos agregando oferta em cima do fluxo de demanda que o nosso mercado produtor não consegue acompanhar. Tanto que a indústria automobilística opera a pleno vapor e o ágio do carro chega a 70%. O carro que vier aí não vai matar nenhuma montadora, pois está simplesmente vindo para suprir uma demanda a que a indústria nacional não é capaz de responder.
Folha – A preocupação dos sindicatos e dos empresários deriva de que, então?
Ciro Gomes – De uma retórica pseudo-social para proteger o oligopólio. Da reserva de mercado, da imposição ao brasileiro da obrigação de comprar caro e sem qualidade.
Folha – O sr. quer dizer que há uma união de sindicatos e de empresários nesse sentido?
Ciro Gomes – Isso é antigo no Brasil. Existe um certo sindicalismo de classe média com retórica de trabalhador.
Montadora: custo da mão-de-obra, 7%, piso salarial, R$ 900. Eu venho de uma terra onde quem ganha R$ 900 é de classe média, pode frequentar o Náutico Atlético Cearense. Um secretário de Estado ganha R$ 1.800.
E isso não é diferente do resto do Brasil. Como era a lógica: mercado cativo, o indicador de inflação era oferecido pelo governo, reposição de salário automática, planilha de custo alterada, aumento de preço e custo maior para o consumidor. O Brasil é excluído dessa lógica. Há uma categoria de incluídos: bancários, metalúrgicos... Com a retórica do trabalhador. Não digo que é injusto.

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