São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Tuma não se define sobre pena de morte

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O delegado Romeu Tuma, 63, não definiu sua posição sobre a pena de morte: "Eu não sou nem a favor nem contra. A gente tem que discuti-la dentro de um contexto geral." Ele diz que, se eleito senador, vai propor mudanças no Código Penal.
O candidato pelo PL considera injusta a manifestação realizada na semana passada por familiares de ex-presos políticos, que criticam sua atuação como ex-diretor do Deops. Ele diz que, naquela função, manteve a integridade física das pessoas sob sua tutela.
Tuma também afirma que não teve responsabilidade na invasão da Folha por policiais federais em 23 de março de 1990, no início do governo Collor. Na época, ele acumulava a chefia da Polícia Federal e da Receita Federal.

Folha - Como o sr. se definiria politicamente?
Romeu Tuma - É difícil, no estágio atual do universo, dar uma definição. Antes, os dirigentes eram de direita, de esquerda. Hoje o mundo se divide em blocos. Não há mais uma aferição política dos homens que dirigem estes países e as lideranças desses blocos.
Como eu estive no serviço público por 40 anos e considerava que deveria apenas respeitar as leis em vigor, não me considero de nenhuma tendência.
Folha - Qual sua proposta para o Código Penal?
Tuma - É preciso atualizá-lo. Há nele crimes que são penalizados em excesso. Em tese, não se precisa pôr todo mundo na cadeia. Pode também haver penas pecuniárias, de prestação de serviços.
Folha - Quanto à questão carcerária, qual sua posição?
Tuma - Não adianta botar numa mesma cadeia um camarada condenado a um ano para cumprir pena ao lado de um outro que foi condenado a 300. Esse de um ano pega o que eu chamo de "infecção hospitalar" e passa a resistir a todos os processos morais de identificação entre o bem e o mal. Não há uma política carcerária no plano nacional. O que há é uma questão aritmética. Há um "x" de vagas e uma superlotação das delegacias onde há presos cumprindo penas.
Folha - O sr. se referiu há pouco sobre a necessidade de aliviar certas penas. Seria também favorável a carregar outras?
Tuma - Hoje está muito em moda discutir a pena de morte...
Folha - O sr. é favorável a ela?
Tuma - A gente tem sofrido muito com um processo de "midiomania". Os parlamentares lêem no jornal sobre um crime que traumatizou a sociedade, pedem para que algum jurista rotule o crime de hediondo e inafiançável e se esquecem que há leis que beneficiam o bandido. Quando se pensa no agravamento de penas, é preciso pensar se o criminoso cumpre a pena a que foi condenado. Como vou pensar em pena de morte se o condenado a dez anos cumpre só seis meses? Não se pode pensar em benefícios sem que o sujeito cumpra dois terços de sua pena.
Folha - Então o sr. é contra a pena de morte?
Tuma - Eu não sou nem a favor nem contra. A gente tem que discuti-la dentro de um contexto geral. Também é preciso discutir o que é primariedade. Não se pode tratar como primário um indivíduo que tem 30 homicídios nas costas.
Folha - A palavra "xerife" teve bom efeito eleitoral, mas se refere a uma função executiva. Se eleito, o sr. não teme decepcionar seus eleitores, já que estará limitado à função parlamentar?
Tuma - Aí é uma expressão de simpatia, não é uma vinculação à atividade. Xerife, em árabe, quer dizer "o homem que toma conta da cidade". É agradável.
Folha - É importante para o sr. que todos o queiram bem ou o sr. também aceita que deixem de querer?
Tuma - Todo mundo acha que todo mundo tem que gostar. Mas eu jamais reagi a qualquer crítica. Toda ela, mesmo a injuriosa, tem ensinamento para a gente. Eu sempre tenho que esclarecer se a pessoa está desinformada. Mas críticas com interesses ocultos, essas são difíceis de aceitar.
Folha - Familiares de ex-presos políticos fizeram uma manifestação contra sua candidatura.
Tuma - É uma manifestação injusta. Eu era diretor do Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) e não guardador de arquivos, e é sobre isso que se trata. Em 1983, na época da mudança de governo (de Marin para Montoro), eu apenas guardei e protegi os arquivos. A proposta na época era de se queimar e destruir os arquivos como forma de protesto contra a "ditadura". Dez dias antes de terminar o governo eu afirmei que destruir os arquivos seria a própria negação da história. Eu não gerenciava o arquivo. Mas achava que era preciso protegê-lo. Eu insistia para que o governo do Estado recebesse de volta os arquivos. Só o governo Fleury aceitou.
Folha - Na época do regime militar, o sr. chegou a ter alguma crise de consciência?
Tuma - Absolutamente não. Pelo período em que eu dirigi o Deops, eu consegui o que seria o mais importante: ajudar na abertura política. Minhas testemunhas são pessoas que estão disputando o governo e foram oposição, como o Lula, o Fernando Henrique e o d. Paulo Evaristo Arns.
Folha - Eles foram seus presos?
Tuma - Não. Eles tiveram uma participação ativa naquela época de proteção aos direitos humanos, e nunca tiveram preocupação com os presos custodiados no Deops. Sabiam que sob a minha tutela eles seriam respeitados.
Eu cumpri a lei, com dignidade e com respeito. Essa manipulação que querem hoje fazer para obter resultados políticos não é justa nem honesta, porque eles tiveram dez anos para levantar esses problemas. Por que o fazem só agora, quando eu sou candidato?
Folha - Qual o fato em sua carreira de policial que o deixou mais orgulhoso?
Tuma - Foram alguns esclarecimentos importantes dos primeiros grandes sequestros, com resgate das vítimas. O Deops começou a se especializar como órgão de investigação. Foi investigando que conseguimos resolver o caso Mengele (Joseph Mengele, nazista cuja ossada foi identificada em 1985).
Folha - A Folha foi invadida por policiais federais nos primeiros dias do governo Collor. Qual foi sua participação no episódio?
Tuma - Foi muito constrangedor para alguém que não sabia o que estava acontecendo. A explicação que foi dada em relatório é a de que o delegado que esteve na Folha recebeu uma queixa (conversão das faturas de publicidade de cruzados novos para cruzeiros) e tratou o jornal como uma outra empresa qualquer. Ele estava acompanhado de dois elementos armados. Segundo o relatório, eles tiveram dificuldade de ter acesso às pessoas que poderiam dar informações. Então foi criado um ambiente...
Folha - Mas o sr. não havia sido informado, como chefe da Receita Federal?
Tuma - Não. Tínhamos 500 ocorrências por hora. Você tinha que socorrer o Brasil inteiro.
Folha - O presidente Collor estava informado?
Tuma - Ele não tinha conhecimento. Os jornais tinham uma posição, que era correta: o governo em 24 horas reformulou a lei, com nova medida provisória. Eu liguei para a Folha. Os policiais estavam dando voz de prisão em flagrante. O diretor financeiro, Renato Castanhari, é uma pessoa espetacular. O delegado entendeu e pediu para que todos fossem ao departamento para que se fizesse os relatos.
Folha - E o Collor?
Tuma - Telefonei para o presidente. Ele me disse: "Puxa vida, eu vou levar um pau desgraçado." E perguntou: "O que eles (policiais) fizeram é legal?" Eu respondi: "Isso será respondido pelo juiz amanhã." Foi um incidente desagradável.
Folha - Existe alguma possibilidade de o país voltar a ter um regime autoritário?
Tuma - Acho muito difícil. Não existe mais caudilho no Brasil.

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