São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Elite e massa se refletem nos ídolos de FHC e Lula

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Os dois candidatos que lideram as pesquisas de intenção de voto para a Presidência têm ídolos tão distintos quanto sua origem social.
Nenhuma das preferências os torna mais ou menos qualificados para o exercício da Presidência da República.
Os ídolos do petista Luiz Inácio Lula da Silva e do tucano Fernando Henrique Cardoso revelam o Brasil que os trouxe à luz.
O primeiro pertence à elite ilustrada e reverencia Alexis de Tocqueville, Max Weber, Florestan Fernandes e Ulysses Guimarães.
Lula é produto da cultura e da política de massas. Penduraria na parede os retratos de Mahatma Gandhi, do centro-avante do Corinthians Viola e dos compositores Chico Buarque e Raul Seixas.
Tocqueville
Nada mais natural que fluam da boca de Fernando Henrique referências como Tocqueville (1805-1859), um dos teóricos que a Revolução Francesa lançou no mercado das idéias.
Tocqueville é universalmente reconhecido como um dos teóricos da democracia moderna, especialmente por conta do livro "A Democracia na América".
Radicalmente anticesarista, Tocqueville fez, no entanto, um pacto de amor com a monarquia, com o passado, a tradição, com a elite, enfim, que a revolução quis inicialmente jogar na lata do lixo da história.
O que mais irritava Tocqueville? Ser chamado de reacionário ou conservador por conta de suas simpatias políticas.
Quem sabe Fernando Henrique possa lançar um olhar retrospectivo para Tocqueville e ver nele mais um dos homens incompreendidos por seus pares.
Gandhi
Um ídolo de massas com um pé no messianismo (como todo ídolo de massas), calcou sua imagem na memória de Lula: o líder indiano Mahatma Gandhi (1869-1948).
Patriarca da independência da Índia e do combate ao imperialismo inglês, Gandhi se notabilizou pela defesa da não-violência como caminho para obtenção de mudanças sociais.
Gandhi é o maior ídolo de Lula desde os tempos em que ele era um dirigente sindical no ABCD paulista.
Longe da academia
A única referência de Fernando Henrique Cardoso distante do meio acadêmico é o ex-presidente do PMDB Ulysses Guimarães, que morreu em 1992.
A ele, o candidato tucano reserva o adjetivo "sábio". FHC se iniciou na política pelo MDB em 1978, quando Ulysses era a principal liderança do partido.
Dez anos depois, FHC deixava o já PMDB para ingressar no PSDB. Em entrevista à Folha em 1988, classificou Ulysses de "o maior político do Brasil" e disse que ele seria recebido "de braços abertos" no novo partido.
Weber
Quando isso fazia alguma diferença no Brasil, ou se era marxista, ou se era weberiano. Equivocado, o regime militar prendeu o sociólogo Fernando Henrique achando que ele cerrava fileira com o marxismo.
Max Weber (1864-1920) acreditava que a política caminhava para uma racionalidade inexorável e que a burocracia dos regimes tinha mais virtudes de renovação e conservação das sociedades do que o movimento de emergência das massas.
Como FHC consegue dar os braços à fisiologia pefelista nordestina e ainda fazer sua profissão de fé na racionalidade weberiana fica por conta do gosto que todo homem conserva pela contradição.
Trilha sonora
As músicas de Raul Seixas e Chico Buarque embalaram as Caravanas da Cidadania, que Lula iniciou em abril de 1993 e considera uma das experiências mais marcantes de sua carreira política.
Na opinião de petista, a música "Bye, Bye Brasil", de Buarque, retrata como nenhuma outra o "espírito" das caravanas.
As letras de Seixas se transformaram em referência obrigatória na campanha petista.
No comitê de Lula, uma faixa estampa a seguinte frase do compositor: "Todo jornal que eu leio me diz que a gente já era, que não é mais primavera. Oh baby, a gente ainda nem começou."
Em seus discursos, Lula recorre com frequência a outra letra de Seixas, que denota a tentativa de empreender um tom emocional à sua campanha: "Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só mas sonho que se sonha junto é realidade."

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