São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Filhos mantêm vivas as portadoras do vírus

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Filhos mantêm vivas as portadoras do vírus
Mulheres conseguem controlar a evolução da doença até sentirem que o futuro dos filhos está encaminhado
Débora só se deixou morrer quando o filho morreu. Ela pegou Aids usando drogas e o menino nasceu com o vírus, seis anos atrás.
Débora deixou as drogas e passou a viver para o filho. Nunca ficou doente, até que o menino morreu no ano passado. Dois meses depois ela morreu também. Tinha 24 anos.
Como Débora, muitas mães da Aids resistem à doença até que possam ver seus filhos encaminhados –mortos ou adotados. "Elas parecem controlar a própria doença", diz Marinella Della Negra, que há dez anos cuida de Aids em crianças no Hospital Emílio Ribas.
Nos cerca de 500 casos que Marinella acompanhou, há muitos exemplos de mulheres que só se deram o direito de cair doente quando resolveram a situação das crianças.
Maria, portadora do vírus, lutou até que seu filho, também com Aids, morreu no ano passado, com sete anos. Preocupada com a filha mais velha, que não tinha o HIV, Maria passou a fazer tráfico de cocaína.
"Quando juntou um bom dinheiro, abriu uma poupança para a filha e meses depois morreu", conta uma pessoa que conheceu Maria. Tinha 26 anos.
"Para muitas, os filhos acabam sendo a única razão para continuar lutando", diz o psicólogo Laércio Zaniquelli, 48, presidente do Centro de Convivência Infantil Filhos de Oxum. A casa abriga 32 crianças com Aids.
Ricardo, 2 anos, é uma dessas crianças. Lúcia, a mãe, se infectou com o marido, usuário de drogas, que morreu no ano passado. Três outros filhos do casal não têm a doença. Lúcia trabalha como diarista e no final de semana toma quatro ônibus para visitar o filho doente. "Só vivo para as crianças", diz Lúcia.
Aparecida, 37, descobriu que ela e a filha de 2 anos estavam com Aids em fevereiro deste ano. Além da filha doente, Aparecida tem outros seis filhos não-infectados. Para viver, montou uma banca de doces em frente à sua casa, na zona leste. "Tenho que ficar viva por causa dos filhos", diz.

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