São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Livro mostra massacre armênio

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

A pouco mais de seis anos do fim do século, ainda mal se começou a entender –apesar do trabalho de intelectuais como A.J.P. Taylor, Hannah Arendt ou Primo Levi– como ele trouxe tantas tragédias.
O livro que a editora Paz & Terra acaba de lançar, "Um Genocídio em Julgamento - O Processo Talaat Paxá na República de Weimar" (250 págs., R$ 14), é precioso para ampliar esse entendimento.
O processo Talaat Paxá é uma das fontes mais ricas para compreensão do genocídio da minoria armênia pelos Jovens Nacionalistas Turcos entre 1915 e 1918.
O réu é Salomon Teilirian, cristão armênio que em 1915, em Berlim (Alemanha), assassinou o então ex-ministro do Interior da Turquia, Talaat Paxá, mandante dos primeiros massacres que, nos três anos, vitimaram cerca de 1,5 milhão de armênios ao todo.
O livro faz apenas a transcrição das duas audiências do julgamento de Teilirian, realizado na cidade alemã em 1921. Na forma econômica de interrogatório, a transcrição ganha impacto e ao mesmo tempo abole sentimentalismos.
Toda a família de Teilirian foi assassinada à sua frente. Aquelas cenas, com o tempo, se converteram em convulsões. Quando sua mãe fez uma "aparição" para ele certa noite foi que Teilirian se decidiu a assassinar Paxá.
O depoimento é rico em informações psicológicas e questões jurídicas. A principal destas é o livre-arbítrio de Teilirian quando cometeu o crime; isto é, se tinha perturbações patológicas ou não, ou mesmo se era doente mental.
O promotor acusa o réu valendo-se do argumento de que o assassinato teve motivações políticas e que foi cometido com "frieza e premeditação". Mas os testemunhos dão conta do nervosismo que Teilirian demonstrava à véspera do crime e, sobretudo, do efeito das imagens terríveis que era obrigado a sempre rever mentalmente.
O livro talvez tivesse maior dimensão, para o leitor brasileiro, se incluísse uma breve história do período. Ou livros sobre o assunto fossem lançados na sequência, porque o julgamento, transcrito, é de fato uma peça autônoma.
Numa decisão surpreendente até para hoje, Teilirian foi absolvido. Os jurados consideraram que não havia como o homicídio pudesse ser caracterizado de premeditado.
O ponto de persuasão ocorre quando outra testemunha descreve o massacre no qual a família de Teilirian foi morta. A descrição é atormentadora. Homens assassinados a machadadas, muitos decapitados. Mulheres violentadas. De grávidas foram quebradas as costelas e retirados os fetos.
Numa das descrições de Teilirian há até uma cena shakespeareana. Quando os soldados turcos agarram a irmã de Teilirian para violentá-la, a mãe deles grita: "Que eu fique cega!" Não são poucas as passagens tocantes.
Por isso o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro fala, no prefácio à edição brasileira, sobre "a enorme dramaticidade de uma biografia escrita numa polifonia de vozes". E sobre a importância dela para entender o primeiro genocídio deste século de atrocidades.

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