São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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No mundo da lua

HELOISA HELVECIA

A educação na base de mimos mil e limites zero produz muita criança irrequieta, desobediente, estabanada. Mas nada que se compare a estes pequenos kamikazes. Surdos a comandos, eles não param, não se concentram, atraem acidentes. São vítimas de Distúrbio de Hiperatividade e Déficit de Atenção.
DIAGNÓSTICO
Na escola, a criança revela mais facilmente sua dificuldade de concentração, falta de sociabilidade e hiperatividade motora. Em casa, o problema passa por falta de educação. Em consultório, a observação fica difícil, com o "bichinho" fora do habitat. Mas só o médico, a partir de relatos de professores e família, identifica a síndrome (sintomas ao lado).
CAUSAS
Até os anos 60, atribuía-se hiperatividade e déficit de atenção a uma disfunção cerebral mínima. Hoje, acredita-se que o problema seja uma discrepância no desenvolvimento do sistema nervoso. Esse distúrbio com causa orgânica é hereditário, segundo alguns estudos, e quase sempre se resolve com o crescimento. Mas pode evoluir para desvios mais sérios, como o "distúrbio oposicional desafiante" (pense naquela criança chata, vingativa, que contraria todo mundo e vive praguejando em linguagem obscena) e o "desvio de conduta" (já inclui roubo, destruição de propriedades, crueldade com bichos e pessoas).
TRIPÉ
Normalmente, o déficit de atenção está associado à hiperatividade. Não é regra. A psiquiatria já separa os dois desvios. O quadro de DHDA refere-se ao tripé déficit de atenção, hiperatividade e impulsividade. O tratamento depende do peso de cada uma dessas manifestações.
AMBIENTE
Antes da atual classificação, essa alteração de comportamento era conhecida só por hiperatividade. Era uma designação relativa. "Hiperatividade é só um sintoma. Pode ser orgânica ou reativa", diz a educadora Marília Morello. "Atitudes de intolerância familiar ou escolar, exigências descabidas, falta de limites, estimulação excessiva, o lazer muito mais intelectual do que motor e a vida em apartamentos podem gerar comportamentos negativos como problemas de disciplina".
TRATAMENTO
Há drogas que estimulam a atenção, como a anfetamina metilfenidato. Mas a medicação pura e simples só é indicada para quem tem pelo menos dez dos sintomas. Quase sempre o tratamento inclui terapia (criança e família) e trabalho pedagógico para solucionar distúrbios do aprendizado.
MITO
Alguns habitantes do mundo da lua levam a característica para a vida adulta. Quando mantêm sua sociabilidade (só têm uma parte do tripé, o déficit de atenção, por exemplo), acabam compensando essa dificuldade usando uma outra parte do cérebro e desenvolvendo-a mais. O fenômeno talvez seja a origem do mito segundo o qual adultos com DHDA são mais inteligentes. "É uma idéia romântica, no mínimo discutível", diz o psiquiatra Mercadante.
H.H.

FONTES: FRANCISCO ASSUMPÇÃO (PSIQUIATRIA INFANTIL, FACULDADE DE MEDICINA DA USP)/MARÍLIA MATTOS MORELLO (EDUCADORA, DIRETORA DAS SÉRIES INICIAIS DO COLÉGIO STA. CRUZ)
MARCOS MERCADANTE (PSIQUIATRIA, SANTA CASA DE SP)

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