São Paulo, terça-feira, 27 de setembro de 1994
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Importação neles!

LUÍS NASSIF

Herança dos tempos da ditadura, ainda hoje o país não recobrou plenamente o hábito de falar claro. Como contribuição à transparência da linguagem, é bom que fique claro: a culpa pelo ágio nos carros populares é, em primeira instância, dos presidentes das montadoras de automóveis. Em segunda instância, dos presidentes de associações de revendedores e das entidades sindicais ligadas ao setor.
O momento atual não comporta mais esse jogo de empurra e de transferência de responsabilidades, em que setores presumivelmente responsáveis comportam-se como adolescentes no desvio, que limitam-se a chorar copiosamente quando atingidos pelo rabo de tatu da redução das tarifas de importação.
Carro não é produto de varejo que se vende em qualquer esquina, como lata de sardinha, arroz ou melancia. É bem de consumo durável, que dispõe de códigos individuais de identificação.
As montadoras têm pleno controle sobre suas concessionárias. Impõem cotas de venda, padronizam atendimento aos consumidores, concedem financiamentos e estipulam códigos de conduta. A CUT tem sistemas de informação que conseguem penetrar até no sigilo bancário de adversários.
Está claríssimo que a atuação desses atravessadores reverte diretamente contra os interesses do setor. No entanto, suporta-se esse jogo obsceno como se não fosse da responsabilidade de todas as partes zelar pela imagem e pelos interesses do setor. Com exceção da iniciativa tímida de uma montadora, não se acenou com um gesto no sentido de eliminar esses crimes contra o consumidor.
Em qualquer país civilizado, na sede da matriz das montadoras, as relações com o público têm que ser pautadas pela ética e pelo respeito. Se um revendedor trata mal o cliente, a responsabilidade é do fabricante. Se empresas do setor têm má conduta, o setor como um todo é punido, seja pelo boicote do consumidor, seja pelos órgãos de defesa do consumidor ou por legislações específicas.
Se o setor quiser, acaba com o ágio em um dia. Se não acaba, é porque não está apto a trabalhar em regime de mercado –nesse caso, importação neles– ou porque está a fim de sacanagem –nesse caso, também importação neles.

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