São Paulo, quarta-feira, 28 de setembro de 1994
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Brasileiros no Japão, exemplo para o Brasil

ANTÔNIO FÁBIO RIBEIRO

Nos dias 10 e 12 de agosto, o Banco do Brasil e o Sebrae realizaram em Hamamatsu e Tóquio, respectivamente, dois seminários intitulados, "O empresário do futuro", para debater com os brasileiros –os "dekasseguis", descendentes de japoneses– que vivem no Japão, as oportunidades de abertura de pequenos negócios no Brasil, a partir da poupança que acumulam durante os três anos, em média, que permanecem do outro lado do mundo, trabalhando duro e com afinco, nas pequenas, médias e grandes empresas japonesas.
São cerca de 170 mil compatriotas que romperam a barreira da inércia e do comodismo e foram à luta em busca da independência econômica, como alternativa pra vencer as dificuldades de sobrevivência que enfrentavam em seu país, mergulhado numa recessão que se prolongou dolorosamente por toda a década de 80.
Esse contingente admirável de brasileiros de fibra e coragem conseguem, hoje, poupar, durante sua curta permanência no Japão, algo em torno de US$ 9 bilhões –US$ 255 milhões ao mês, US$ 3 bilhões ao ano!
Trata-se de um volume de recursos considerável, suficiente para atender a demanda de financiamento do setor elétrico nacional, defasado tecnologicamente, para possibilitar a sua modernização e permitir a alavancagem da economia brasileira num ambiente de estabilidade econômica.
Igualmente, esse recurso, se somado ao que é investido na agricultura, possibilitaria o alcance da almejada meta de produção de 100 milhões de toneladas de grãos, necessária, para garantir a quantidade de alimentos capaz de matar a fome de milhões de brasileiros que estão vivendo na marginalidade.
A idéia do seminário materializou-se a partir da realização, pelo operoso, competente e dinâmico gerente da agência do BB, na capital japonesa, Sócrates Mendes, de uma pesquisa realizada com 10 mil "dekasseguis", nas 12 cidades em que vivem no Japão, com o objetivo de saber quais são os seus planos de vida enquanto residentes em território japonês. 3.293 deles responderam e revelaram os seus três principais sonhos. Primeiro, voltar ao Brasil. Segundo, adquirir a casa própria. E, terceiro, abrir o seu próprio negócio ao retornar à pátria.
A partir daí nasceu a parceria BB-Sebrae para contribuir com os "dekasseguis" na realização dos seus sonhos. O BB lançou o seu produto –caderneta de poupança ouro, em dólar, remunerada à taxa de juros internacional– e criou todas as condições adequadas para a movimentação do capital pelos "dekasseguis", livrando-os de problemas que se tornaram crônicos nos últimos anos, relativos à insegurança com a transferência da sua poupança aos seus familiares, no Brasil.
A parceria foi firmada imediatamente. E um Balcão Sebrae –um centro de informação para as micro e pequenas empresas, totalmente informatizado, montado em todos os 27 estados da federação –foi inaugurado em 8 de agosto, em Tóquio, antecedendo à realização dos seminários.
A experiência, sob todos os aspectos, foi extraordinária. Foi-nos propiciado o contato com uma parcela da nossa população que vive longe do seu país, mas que nele pensa diariamente e, mais importante, alimenta sonhos que pretende concretizar quando para ele voltar.
Os eventos foram um sucesso. Em ambos compareceram cerca de mil pessoas, vindas de diversas cidades japonesas. O grau de participação nos debates foi surpreendente, com destaque para o elevado nível de informação dos participantes.
Vivendo o dia-a-dia de uma economia, como a japonesa, que está no centro dos acontecimentos mundiais, com as turbulências decorrentes dos ajustes monetários que têm valorizado o iene em relação do dólar, e dificultado o avanço das exportações japonesas, depois de um "boom" exportador nos últimos 15 anos, os "dekasseguis" desenvolvem uma fantástica visão do panorama econômico global, sem contar o fato, mais importante, de que se apropriam de uma experiência extraordinária, sabendo-se que a indústria japonesa, onde trabalham, encontra-se na vanguarda do desenvolvimento tecnológico mundial.
Os brasileiros que vivem e trabalham no Japão, idiscutivelmente, compõem a mão-de-obra nacional mais preparada, tanto do ponto de vista técnico, porque estão em contato com as transformações tecnológicas de ponta, como cultural, já que dispõem de um elevado nível de informação, associado à prática dinâmica na qual estão inseridos, que os tornam cidadãos brasileiros com visão internacional.
Com esse valioso capital, que nos orgulha pela sua tenacidade, ousadia, coragem e perseverança, temperado, devidamente na cultura do trabalho japonesa, cultora da poupança, da disciplina e do espírito comunitário como armas para promover o desenvolvimento nacional, o Sebrae e o Banco do Brasil, juntos, passaram a trabalhar para servir o Brasil de amanhã.
Nosso recado não poderia ser outro senão o de que o grande desafio a ser vencido pelo Brasil é o desemprego, e eles, os "dekasseguis", dispõem de condições excepcionais para ajudar a vencê-lo, com o seu espírito de iniciativa e de verdadeiros empreendedores, quando manifestam o claro desejo de abria a sua pequena empresa quando retornarem à terra natal.
A pequena empresa é o grande instrumento de criação de riquezas e de novos empregos na economia brasileira. Os governos federal, estaduais e municipais perderam a capacidade, outrora poderosa, de puxar a demanda econômica efetiva, porque estão excessivamente endividados e inchados, burocratizados e inoperantes.
Igualmente, as grandes empresas optaram pela modernização, que gera desemprego, investindo forte em inovações tecnológicas, para se manterem competitivas nos mercados cada vez mais globalizados. Ambos, governos e grandes empresas, deixaram de ser agentes promotores do emprego.
Gerar emprego será, de agora em diante, uma tarefa das pequenas empresas, que, no Brasil, constituem um universo de 3,5 milhões de pequenos estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços, responsável por 48% do total da produção nacional, 60% da oferta de mão-de-obra, 42% dos salários pagos e cerca de 30% do PIB.
Quase 50 milhões de brasileiros dependem das atividades desenvolvidas pelas empresas de pequeno porte, o que se tornam, sem dúvida, o maior partido político do país, o Partido da Democracia Econômica.
Os "dekasseguis" têm experiência própria. Sabem que as pequenas empresas representam 90% do universo econômico japonês e que são fundamentais para o desenvolvimento do Japão. Por isso, optaram pela abertura do seu pequeno negócio.
Resta agora ao governo brasileiro o saudável desafio de promover um plano de investimento para atrair, com todas as vantagens possíveis, o capital dos "dekasseguis" em projetos, preferencialmente, voltados para o interior, comprometidos com o desenvolvimento da agroindústria.
Esse é um campo de exploração no qual os "dekasseguis" estão conscientes quanto a importância de nele investir, porque o Japão poderá ser, brevemente, o nosso maior mercado para exportação de alimentos.
Os governos federal, estaduais e municipais não podem perder essa oportunidade de ouro, que tão bem está sendo trabalhada pelo Sebrae e Banco do Brasil.

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