São Paulo, sexta-feira, 30 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Enéas não é Enéas

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Quando apareceu, em 89, tinha-se a impressão de que sua trajetória seria tão curta quanto os quinze segundos de que dispunha para apresentar-se ao eleitorado. "Meu nome é Enéas", grunhia, atropelando as letras.
Era visto como um cacareco, um personagem folclórico. Boa parte de seus votos veio de pessoas desgostosas com a vida. Beneficiou-se do chamado voto de protesto.
Agora, na eleição de 94, Enéas Carneiro dispõe de largo minuto e dezessete segundos no horário eleitoral. Um tempo obtido graças à adesão de uma brizolista arrependida, a deputada Regina Gordilho, ao seu Prona (Partido de Reedificação da Ordem Nacional).
Com mais espaço, pôde organizar melhor os grunhidos. Conheceram-se as suas idéias. Notou-se que dispõe de uma mensagem. Neofascista, mas uma mensagem.
Com ataques ao sistema democrático, prega a restauração da ordem. Português empolado, refere-se aos políticos como uma corrrrrrrrrrrja de aproveitadores.
Enéas é nacionalista e, principalmente, moralista. O último Datafolha confirma-lhe a popularidade. Segue à frente de Quércia, Brizola e Amin. Preserva as chances de amealhar o terceiro lugar nas eleições.
Descobre-se agora que Enéas não é Enéas. Como cidadão, ele não consegue seguir o modelo de conduta que despeja diariamente diante das câmeras franqueadas ao candidato.
Ao contrário do que se supunha, Enéas é, na verdade, uma espécie de subenéas. Perto do barbudo da TV, o cardiologista Enéas é um desqualificado.
O candidato propõe-se a restaurar a ordem e a moralidade pública. Longe dos estúdios de TV, de volta à rotina de subenéas, embolsa o dinheiro do contribuinte sem liberar uma gota de suor por ele.
Nem de longe o Enéas do vídeo, profeta da restauração dos bons costumes, pode ser comparado ao médico gazeteiro, velho conhecido dos hospitais do Câncer e da Lagoa, no Rio.
Apesar dos olhos de fundo de garrafa, o ultradireitista do Prona decerto enxergaria um aproveitador na figura do médico que, apesar de não trabalhar, mantém-se pendurado ao quadro funcional de hospitais públicos apenas para garantir a aposentadoria.
Enéas encantava uma fatia despolitizada do eleitorado graças ao seu discurso à Plínio Salgado. Mas mesmo os falsos moralistas precisam preservar uma certa fachada.
É preciso verificar agora como reagirão os seus eleitores ao descobrirem que o candidato não se chama Enéas. Seu nome é "espertalhão".

Texto Anterior: Lula propõe conversa com FHC após eleição para manter inflação baixa
Próximo Texto: Operários da construção reagem a tucanos no Masp
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.