São Paulo, sexta-feira, 30 de setembro de 1994
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Escolha do júri decide caso O. J. Simpson

DAVID DREW ZINGG
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES

Hoje é o último dia da primeira semana de um julgamento que promete quebrar recordes de comprimento, complexidade e custo.
Desde junho, o "assunto O. J. Simpson", como o comedido juiz Lance Ito o chama, vem saturando a mídia mundial com vazamentos de evidências, resultados de testes de DNA e outros excessos. O caso captou a atenção do mundo, com seu misto de raça, celebridade, riqueza, ciência, amor obsessivo e violência doméstica.
Dúvida: será que o atrapalhado Departamento de Polícia de Los Angeles voltará a ser julgado por racismo e incompetência, como no caso do espancamento de Rodney King? Outra dúvida, mais importante: será que o herói esportista afro-americano O. J. Simpson receberá tratamento justo da Justiça?
O júri
O volume de trabalho, ciência e dinheiro que determina a escolha do júri num julgamento importante como este é quase inconcebível.
Num caso desta dimensão e importância, nem a promotoria nem a defesa sonham em tentar selecionar jurados sem o tipo de assessoria profissional que cheira mais a uma campanha presidencial do que a procedimentos legais.
Apareceu toda uma nova raça de especialistas legais, a dos chamados "consultores de júri".
É difícil saber se eles valem os honorários que cobram. Ambos os lados os usam para identificar jurados potenciais que tenham predisposições favoráveis a seus clientes. Talvez seja melhor dizer que procuram evitar jurados que tenham predisposições "erradas".
Os consultores se esforçam ao máximo para compreender o que os potenciais jurados e o público pensam sobre Simpson e sobre as posições da promotoria.
Eles promovem julgamentos simulados e grupos de troca de idéias e fazem sondagens telefônicas, exatamente como o pessoal que administra Lula e FHC.
Sabe-se de casos em que consultores desejosos de compreender o que acontece na cabeça de um jurado estudaram sua linguagem corporal, checaram as organizações às quais ele pertencia, leram os adesivos nos vidros de seu carro e até vasculharam seu lixo.
Apesar da quantidade substancial de dinheiro que os consultores faturam nesses julgamentos importantes, nem todos os advogados acham que eles a merecem.
Um professor de direito da UCLA me disse: "Ouvir consultores de júri é como ouvir o homem do tempo. É como ir ao Jóquei –todo mundo tem um palpite".
A atitude do júri é que vai decidir se Simpson passa o resto da vida em cana ou se sai do tribunal como um homem livre.
Pela lei da Califórnia, o júri tem que ser unânime em seu veredicto de "culpado". Se houver uma dúvida na cabeça de um dos jurados, O. J. Simpson estará livre.
Li um artigo na revista "Los Angeles Lawyer", publicada pela Ordem dos Advogados de LA. Foi escrito por David B. Graeven, presidente da Trial Behavior Consulting Inc. (consultoria sobre comportamento durante julgamentos).
Graeven diz que, quando se faz uma pergunta direta a um jurado, ele se fecha. Sua especialidade é redigir questionários a jurados, numa sequência sutil que facilita a tentativa de se olhar dentro da cabeça de um potencial jurado.
Para revelar atitudes racistas ocultas, por exemplo, ele faz várias perguntas diferentes. Uma delas poderia ser, por exemplo, "existe alguma razão pela qual você hesitaria em comprar um carro japonês?" (a pergunta trata do ufanismo gringo). Outra pergunta possível: "Você acha ruim um casal racialmente misto ter filhos?"
Essas perguntas tratam de uma coisa conhecida por aqui como "a síndrome de Jack Johnson".
Johnson foi um campeão mundial de boxe, negro, do início do século. Ele tinha uma amante branca. A Gringolândia se sentiu ultrajada. Johnson foi processado com base numa lei agora obsoleta, por atravessar uma divisa estadual com uma mulher para fins imorais. Ele violou sua condicional e fugiu para o Canadá e a Europa, terminando por casar-se com a amante.
Entre afro-americanos, ser um campeão é bom, mas o campeão que tem mulher branca não é bom. As pessoas se voltam contra ele.
Questões como essas envolvem as mais profundas e mais secretas atitudes americanas, modeladas por gerações de batalhas sobre a discriminação racial.
Vista por esse filtro, a importância do processo de seleção dos jurados se torna claríssima.

Tradução de Clara Allain

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