São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
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Fernando Henrique toma posse hoje e quer mudar Constituição

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Fernando Henrique Cardoso, 63, toma posse hoje, às 16h30, como o novo presidente do Brasil em meio a uma atmosfera de grande otimismo, que obscurece até mesmo a ascensão dos 27 novos governadores que também chegam ao poder ungidos pela maior eleição a que o país assistiu.
Esse otimismo contamina o próprio tucano. Ele está certo de que os Anos FHC, que agora se iniciam, farão vingar uma tese lançada em 1941, no título do último livro do austríaco Stefan Zweig. "Brasil, País do Futuro" é como se chama a obra, pendente de comprovação há 53 anos. Leitor de Zweig, Fernando Henrique não é o único a crer que o êxito de sua gestão emprestará às palavras do escritor ares de profecia.
Pesquisa Datafolha mostra que é alto o teor de esperança no novo governo. 70% dos brasileiros acham que seu desempenho será ótimo ou bom. O percentual supera os 44,08% que Fernando Henrique obteve nas urnas -34,3 milhões de votos. Mas não se está diante de um índice inédito. Quando Fernando Collor de Mello assumiu em 90, 71% da população apostava no sucesso de seu governo. Para tentar manter essa taxa de expectativa, o tucano se impôs uma meta.
Sua prioridade será zelar pela saúde do Plano Real. Está convencido de que o patrimônio político que começou a amealhar no dia em que aceitou ser ministro da Fazenda de Itamar Franco virará pó se a estabilidade da moeda for, de algum modo, abalada.
A crise verificada no México abriu fissuras na convicção de alguns integrantes de sua equipe. Em público, continuam destilando confiança. Sob reserva, cultivam dúvidas aflitas. Não que considerem o Brasil à beira de um novo colapso. Bem ao contrário. Mesmo longe dos gravadores, vangloriam-se do fato de estar montados em indicadores bastante confortáveis.
Mencionam sobretudo a inflação de 2,19% registrada em dezembro, as reservas cambiais superiores a US$ 40 bilhões e a perspectiva de crescimento do PIB projetado em 4,5%. O que os deixa inquietos é a fragilidade da estabilização da economia brasileira. O processo de tonificação da moeda depende de reformas que o governo só submeterá ao Congresso a partir de fevereiro.
São temas espinhosos, tais como a mudança no sistema previdenciário, a flexibilização de monopólios e a reformulação do sistema tributário. Ao ser entronizado no cargo, em solenidade no plenário da Câmara, o novo inquilino do Planalto jurará respeito a uma Constituição que abomina.
O presidente FHC quer fatiar o texto constitucional que o senador constituinte Fernando Henrique Cardoso ajudou a redigir. Quer "desconstitucionalizar" o cotidiano do país. E deseja fazê-lo num prazo máximo de seis meses.
Por isso rateou uma parte da Esplanada dos Ministérios com legendas como o PFL, o PTB e o PMDB. Por isso também deve aceitar indicações políticas para postos de segundo e terceiro escalões. FHC precisa de apoio no Congresso. Também aqui deseja evitar um erro que o próprio Collor hoje admite ter cometido.
Ao seu tempo, o presidente do impeachment imaginava que conseguiria estabelecer ligações diretas com a sociedade. Deu de ombros para a oposição da academia e dos sindicatos. Indispôs-se com os políticos. Quanto a FHC, é difícil identificar-lhe os opositores. O PDT e o PT, que poderiam representar focos de resistência, mostram-se desarticulados. Buscam o próprio eixo. O mesmo se dá com o PMDB quercista, mais próximo da luta por cargos do que de qualquer trincheira oposicionista.
Também a atmosfera política parece conspirar a favor do tucano. Ele assume para dar continuidade à própria obra. Na prática, fez-se sucessor de si mesmo a partir de um governo que, até a sua entrada, era visto como desastrado. Entre os auxiliares mais íntimos de FHC, aliás, Itamar Franco não é visto como o presidente que fez o sucessor. Afirma-se que FHC é que fez o antecessor.
Anuncia-se, de resto, a instalação de uma nova era em Brasília, a era do processo. Nada de mudanças bruscas, de planos urdidos em segredo. Pé ante pé, o Brasil de Fernando Henrique se pautará pelo planejamento. A começar da própria posse. Anteciparam-se providências mais duras, como a intervenção no Banespa e no Banerj, para evitar comparações com o início da gestão Collor, marcada pela fase dos pacotes bombásticos.
Com o mesmo objetivo, adiaram-se outras providências, entre elas a reforma administrativa, hoje limitada à extinção de duas pastas e alguns poucos ajustes. O resto, Fernando Henrique (38º presidente do Brasil) planeja executar aos poucos. Terá até 31 de dezembro de 1999 para construir o Brasil imaginado por Stefan Zweig.
Além do desafio econômico, terá pela frente o conjunto de problemas representados pela hipoteca social brasileira. Algo que, durante a campanha, resumiu nos cinco dedos da mão: emprego, agricultura, segurança, saúde e educação.

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