São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
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A era Itamar

LUÍS NASSIF

No plano pessoal, Itamar Franco talvez tenha sido o mais desequilibrado presidente que este país já teve. Impulsivo, detalhista, desinformado, com parca capacidade de discernimento, tanto em relação a fatos quanto a pessoas, e uma necessidade quase doentia de auto-afirmação, tudo indicava que seu interinado produziria uma hecatombe nacional.
Suas virtudes –de homem simples, bem-intencionado, menos afeito a práticas fisiológicas e ao uso da máquina do Estado que a maioria dos políticos– pareciam insuficientes para contrabalançar seus vícios de temperamento.
Num autêntico desafio à teoria das probabilidades, errou praticamente todas as vezes que precisou tomar uma decisão. Com exceção de uma: a indicação de Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda.
Até lá, seu governo foi uma sucessão de desastres gratuitos. Humilhou seu primeiro ministro da Fazenda, Gustavo Krause, e seu segundo ministro, Paulo Haddad, até que pedissem demissão. Em ambos os casos, mostrou-se sinceramente surpreso com os pedidos, numa demonstração anormal de falta de discernimento nas relações pessoais.
Bem-intencionado, mas sem rumo, Itamar mudava permanentemente de opinião, de acordo com o último interlocutor. Qualquer pessoa que conseguisse desenvolver uma técnica de influenciá-lo, sentia-se dona do país.
O início de seu governo foi uma loucura, com pessoas do nível do consultor-geral José de Castro, do ministro da Justiça Maurício Correa e do presidente do Banco do Brasil Alcir Calliari dando palpites diários sobre economia, agitando o país com declarações sem nexo, numa barafunda infernal.
Virando o jogo
A indicação de FHC mudou o jogo. Não que tecnicamente sua gestão tivesse sido boa. A de Paulo Haddad foi infinitamente mais responsável, no plano estrutural. Não fossem as loucuras de Itamar, o plano econômico teria saído mais cedo –e com muito mais consistência.
O grande mérito de FHC foi ter segurado Itamar –que, no fundo, era a variável irremovível e fora de controle, em todas as avaliações sobre a estabilização da economia. A admiração infinita do presidente por seu ministro, a paciência infinita do ministro com o presidente mereciam uma descrição literária. Itamar chegava a ligar 15 vezes por dia para FHC, para consultá-lo a respeito de tudo e de nada.
Graças a essa habilidade, FHC logrou anular a influência do grupo palaciano e trazer Itamar sob controle até o fim. Está certo o articulista Marcelo Coelho em afirmar que foi o sucessor que fez o presidente.

Opinião pública
Se FHC acalmou Itamar no plano pessoal, o grande fator de equilíbrio institucional foi o amadurecimento da opinião pública. Em economias modernas, cabe a ela, através da mídia, exercer esse papel de equilíbrio –segurando rompantes de governantes, combatendo excesso de poder de políticos ou grupos empresariais etc.
Cada vez que Itamar cometia excessos, o mundo caía-lhe na cabeça. E, felizmente, ele recuava.
O governo Sarney foi um assalto indiscriminado ao Orçamento e privilégios indecentes a amigos. O governo Collor, um contraste absurdo entre idéias modernizantes e a apropriação do Estado por uma quadrilha.
Itamar deixa o governo com a imagem correta de um patriota, atrapalhado mas bem-intencionado. No plano da moral pública, foi semivirgem, restringindo sua caixinha política à Telemig, Telerj e ao sistema Telebrás.
Fora do governo, o país respira aliviado. Suas ranhetices não terão mais implicações sobre a estabilidade do país. Ele volta a ser a pessoa neurastênica, mas simpática, que atravessou o rio sem saber nadar e não se deslumbrou com as pompas do poder. Aliás, o poder é um conceito que transcende sua capacidade de compreensão.
Fora do governo, não haverá uma só pessoa que não lhe deseje felicidades.

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