São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995
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POTÊNCIA DO ESPETÁCULO

PHILIPPE SOLLERS
ESPECIAL PARA O "LE MONDE"

"A função do cinema", escrevia Guy Debord já há algum tempo, "é apresentar uma forma coerente isolada, dramática ou documentária, como substituto de uma comunicação e de uma atividade ausentes." Apagar o cinema de sua própria vida resulta precisamente em entrar em comunicação consigo.
Trata-se de um ato: não percebemos mais o real como sempre-já-filmado (o que é o objetivo dos proprietários da sociedade), neutralizamos a violência comunicativa imposta (a que se desencadeia, dia e noite, na aparelhagem técnica), retomamos a palavra como dimensão presente.
Raros, muito raros, são os filmes que tentaram fazer a crítica direta desta formidável alienação industrial através da imagem. Podemos citar todos os filmes de Debord; alguns Godard (entre os quais seu auto-retrato, "JLG/JLG", inédito); "Méditerranée" de Jean-Daniel Pollet (por causa de sua aula de montagem); enfim, aquele que realizei a partir da "Porta do Inferno", de Auguste Rodin. Aqui, e somente aqui, o espetáculo em seu conjunto é interpelado, invertido, combatido, pensado.
"O espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana como simples aparência." Ou ainda: "O espetáculo, como organização social presente da paralisia da história e da memória, é a falsa consciência do tempo." Isto é o que podemos ler (ou reler) nesse livro magnífico que acaba de ser relançado (1), no mesmo momento que seu autor decidia se matar.
O espetáculo é cada vez mais potente? Isto é óbvio. "Os especialistas do poder do espetáculo, poder absoluto no interior de seu sistema de linguagem sem resposta, estão absolutamente corrompidos por sua experiência do desprezo e da eficácia do desprezo; pois eles se deparam com seu desprezo confirmado pelo conhecimento do homem desprezível que é de fato o espectador."
Para onde quer que se volte, só encontramos essa credulidade espectadora, esse "respeito infantil pelas imagens". O comportamento de cada indivíduo está infectado por isso, suas sensações, sua memória, seus sonhos. Banalizar, falsificar e igualizar o espaço; confiscar o tempo em proveito da representação de um tempo artificial, é isto o que o cinema e seu câncer local, a televisão, querem.
"A realidade do tempo foi substituída pela publicidade do tempo." Nessas condições, falar de um "bom cinema" ou de uma "boa televisão" constitui, mesmo que isso não seja falso, uma mensagem suplementar. Haverá "bons CD-Rom" como havia outrora livros menos ruins que outros. O mercado do cinema é apenas um dos nomes do cinema de mercado: seu reino é obrigatório.
A propósito de seu filme "A Sociedade do Espetáculo", Debord escrevia com humor: "Os especialistas do cinema disseram que havia ali uma má política revolucionária; e as políticas de todas as esquerdas ilusionistas disseram que se tratava de mau cinema. Mas quando se é ao mesmo tempo revolucionário e cineasta, demonstra-se facilmente que seu amargor generalizado provém da evidência que o filme em questão é a crítica exata da sociedade que eles não sabem combater; e como exemplo primordial do cinema que eles não sabem fazer."
Podemos substituir aqui a palavra "cinema" por "literatura": o raciocínio continuará o mesmo. Os especialistas da literatura dirão agora de um livro revolucionário que se trata de má política; e os políticos de todas as esquerdas ilusionistas (transformados, há 20 anos, em superilusionistas em bloco) dirão que se trata de má literatura.
Durante esse tempo, ninguém parece ter observado a música que Debord utiliza em seus filmes: Delalande, Couperin, Michel Corette. Lembraremos, "en passant", que se trata de músicos franceses.
(1) "Obras Cinematográficas Completas (1952-1978)", de Guy Debord. Gallimard.

Tradução de Cassio Starling Carlos

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