São Paulo, quinta-feira, 5 de janeiro de 1995
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O que faz falta à ciência e tecnologia

ROBERTO NICOLSKY

A ciência e tecnologia em nosso país é uma atividade exercida por diversos órgãos distribuídos por quase todos os ministérios. O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) reúne somente alguns dos principais agentes de ciência e tecnologia, gerenciando apenas 25% a 30% dos recursos destinados à área.
Portanto, o que efetivamente faz falta à ciência e tecnologia é a definição de uma política geral de ciência e tecnologia, a ser executada por todos os órgãos do governo envolvidos com a área, de forma articulada, compatível com as necessidades de desenvolvimento da sociedade e da economia, e suficientemente contínua, persistente e flexível para alcançar os objetivos fixados. Só assim a ciência e tecnologia poderá alavancar a competitividade da nossa economia no cenário mundial. Neste artigo são discutidas as condições básicas a essa política de ciência e tecnologia.
Os recursos para ciência e tecnologia têm, essencialmente, duas origens: os fundos públicos (verbas federais e estaduais, incentivos fiscais etc.) e as empresas privadas. Para comparar a nossa situação com a de outros países, tomemos como fonte o "World Science Report 1993", editado pela Unesco, e expressemos os investimentos em ciência e tecnologia como uma fração percentual do Produto Interno Bruto (PIB) do respectivo país.
Temos, então, que o país mais rico, os Estados Unidos, com 1 milhão de pesquisadores, aplicou 2,80% em 1992, dos quais 43% vieram de fundos públicos e o saldo de 57% veio do setor produtivo privado. Vemos que um novo rico, o Japão, aplicou 2,76% em 1991, dos quais apenas cerca de 16,5% (em 1990) eram de recursos públicos, representando 0,71% do PIB japonês, para 500 mil pesquisadores.
Um país emergente, a Coréia, com cerca de 50 milhões de habitantes, um PIB em 1990 da ordem de US$ 240 bilhões e um total de 70 mil pesquisadores, aplicou nesse ano 1,91%, sendo apenas 16% de origem pública, que significam só 0,31% do PIB.
O Brasil figura com uma destinação total de 0,89% em 1990, com a enorme parcela de 85% de recursos públicos, parcela que representa sozinha 0,76% do PIB, para um contingente de 65 mil pesquisadores. Aplicamos, pois, cerca da metade da Coréia, que tem um PIB pouco menor do que o nosso para uma população 1/3 da nossa e o mesmo número de pesquisadores.
Segundo a mesma fonte, em 1981, a Coréia, então com 20 mil pesquisadores e um PIB de apenas US$ 80 bilhões, aplicava só 0,64% em ciência e tecnologia, com 44% em fundos públicos, valendo 0,28% do PIB. Vê-se que a sua verba pública aumentou apenas 10%, em termos de PIB, enquanto a fração de recursos totais triplicou em nove anos, assim como o PIB. Portanto, o investimento do setor privado, medido em dólares, cresceu quase 14 vezes (!) no período, alavancando a extraordinária expansão do PIB coreano, que hoje já ultrapassa os US$ 300 bilhões. E essa foi uma década perdida para o nosso país!
Conclui-se, pois, que os baixos recursos para ciência e tecnologia entre nós não são tanto a falta de verbas públicas, mas a fraca presença do setor produtivo, principalmente o privado, que quase não pesquisa por sua conta o seu próprio desenvolvimento tecnológico. Isto resulta na quase total ineficiência do sistema de ciência e tecnologia em produzir a tecnologia necessária à economia, pois as instituições públicas de pesquisa são inadequadas para alcançar tais objetivos.
A pesquisa tecnológica, como gera benefícios diretos, deve ser realizada com ampla maioria de recursos das empresas, pois cobrindo pesquisa tanto básica quanto tecnológica a verba pública de ciência e tecnologia torna-se um cobertor de pobre, curto para ambas.
Um importante passo para mudar o quadro é a lei 8.661, de 02/06/93, uma notável medida do ministro de Ciência e Tecnologia, José Israel Vargas, realizada ainda realizada no governo Itamar, que incentiva a ciência e tecnologia nas empresas, enquanto a antiga lei 8.248, fazia apenas na área de imformática. Mas isto é só o início, pois outros passos decisivos precisam se seguir.
Também em pesquisa básica a nossa posição não é brilhante. O número de pesquisadores em nosso país é ainda pequeno para as nossas necessidades e o objetivo de desenvolver uma economia inovadora, eficiente e competitiva. Outra vez a Coréia nos dá o exemplo: tem mais pesquisadores e está treinando novos num ritmo incomparavelmente superior ao nosso, aumentando 3,5 vezes o seu número em nove anos e projetando alcançar 150 mil até o fim desta década.
Ora, os nossos fundos públicos são duas vezes e meia os da Coréia, em termos de PIB. A conclusão, portanto, é a de que os recursos públicos são ineficientemente aplicados, pois deveriam destinar-se prioritariamente à pesquisa básica e à formação de capacitação humana.
Além disso, por falta de uma coordenação geral de ciência e tecnologia, não fica claro sequer se os recursos alocados à área são efetivamente aplicados em pesquisa. Entretanto, uma gestão eficiente é possível: a Fapesp consome menos de 1% do que aplica, apesar dos estatutos fixarem o limite de 5%.
Assim, a área de ciência e tecnologia necessita, acima de tudo, de uma política geral de ciência e tecnologia, baseada em duas premissas fundamentais: elevar rapidamente a participação do setor privado a níveis iguais ou superiores aos fundos públicos, e dar um choque de eficiência no uso desses fundos públicos, dando mais ao pesquisador e gastando muito menos em "gerenciar" a pesquisa.
Essa política deve ser executada por todos os órgãos da área, coordenadas por um conselho superior de ciência e tecnologia, como proposto pelo ministro, com um horizonte de dez anos e um programa de resultados para os próximos quatro ou cinco anos.

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