São Paulo, quinta-feira, 5 de janeiro de 1995
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Cigarro banido

O Brasil é mesmo um país de extremos. Até agora permitiam-se propagandas de cigarro absolutamente enganosas que chegavam ao cúmulo de sugerir, contra todas as evidências médicas disponíveis, que o hábito de fumar faz bem para a saúde. Bastava que a peça publicitária estivesse acompanhada do pequeno e quase sempre inócuo aviso: "O Ministério da Saúde adverte: fumar é prejudicial à saúde".
O ex-ministro da Saúde Henrique Santillo tentou, por meio de uma portaria, imprimir um pouco mais de vigor na regulamentação. Foi tão longe que o novo titular da pasta, Adib Jatene, teve de dizer que ainda tem de estudar melhor o texto para decidir se o mantém ou não. De fato, embora correta em certos aspectos, a portaria enseja dúvidas jurídicas e atenta contra o mais elementar bom senso.
Segundo a determinação de Santillo, propagandas e embalagens de cigarro têm de ser acompanhadas de textos mais agressivos explicando os malefícios causados pelo hábito de fumar. Até esse ponto a medida é bem-vinda. Nada mais justo do que explicar com detalhes ao fumante os riscos sob os quais ele se coloca –e também aos outros.
Mas, como sói acontecer no Brasil, a portaria vai além, muito além, chegando às raias do delírio. Ela simplesmente proíbe pessoas de aparecer fumando na TV fora do horário entre 23h00 e 6h00.
Trata-se sem dúvida de um acinte que fere a um só tempo a passagem constitucional que regula a propaganda de itens danosos à saúde e ao meio ambiente (a matéria tem de ser regulada por lei federal e não por portaria), as liberdades individuais, a liberdade de criação artística e, por fim, o bom senso.
Um vilão de novela que fume não está incentivando as pessoas a aderirem ao hábito, muito ao contrário. São poucos os filmes de Hollywood em que um cigarro não é aceso. Eles seriam proscritos? De resto, por mais difícil que seja admitir, muita gente fuma. Tentar convencê-las a parar é bom. Transformá-las em párias ou fazer de conta que inexistem é uma afronta.

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