São Paulo, quinta-feira, 5 de janeiro de 1995
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Argumentos de nicotina

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – O lobby da nicotina se articula com ferocidade para impedir as restrições da publicidade ao cigarro, determinadas pelo Ministério da Saúde. Estão usando argumentos tão ruins como o produto que fabricam.
Qualquer discussão séria deve levar em conta pelo menos um número. Segundo o Ministério da Saúde, morrem no Brasil cerca de dez pessoas por hora devido ao fumo. Traduzindo: 100 mil pessoas por ano.
O lobby alega que a indústria do fumo deve ser preservada porque, afinal, empregaria 1,5 milhão de pessoas, além de recolher US$ 3,5 bilhões. No fundo, eles estão dizendo que a vida têm preço. Sinceramente, difícil encontrar argumentos tão estapafúrdio. Por esse raciocínio poderíamos liberar os homicidas desde que pagassem uma taxa ao governo.
Estapafúrdio e enganoso: gasta-se muito mais no tratamento das doenças causadas pelo fumo do que o valor arrecadado pelos impostos. Sem contar o impacto da economia pelas horas não trabalhadas pelos doentes. "Como médico, tenho visto o sofrimento de famílias. Esse é o verdadeiro custo social", disse ontem a esta coluna o ministro da Saúde, Adib Jatene.
Desde quando é um direito vender um produto que mata, apresentando-o ligado a desempenho sexual, juventude e até saúde?
O fato é que existem dúvidas sobre se o Ministério da Justiça poderia baixar uma portaria ou se deveria aprovar no Congresso uma lei. Se, de fato, cair no Congresso, pode demorar pelo menos mais dois anos. Isso se for aprovado. Afinal, não faltarão "argumentos" ao lobby do fumo.
Tomando como base dos números do Ministério da Saúde, mais dois anos significariam 200 mil pessoas mortas.
PS – Vale o registro a coragem da opinião: o publicitário Gabriel Zellmeiter, da W/Brasil, disse ontem a esta coluna considerar desonesta a forma como a publicidade vende cigarro. Segundo ele, consumidor é enganado, pois mistura-se o cigarro à imagem de beleza, força, juventude. Ele próprio um viciado de cigarro, lamenta por ter se seduzido pelo cigarro aos 14 anos, que o transformaria em "homem".

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