São Paulo, sexta-feira, 6 de janeiro de 1995
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1995, a persistência necessária

CLARICE PECHMAN; ENILCE LEITE MELO

CLARICE PECHMAN
ENILCE LEITE MELO
As experiências internacionais de estabilização econômica mostram que este é um processo longo e custoso. Porém, imprescindível a uma economia que convive com elevado patamar inflacionário por muito tempo, perdendo completamente a noção de preço relativo, por mais eficiente que seja o processo de indexação.
O ritmo e o índice dos reajustes são diferenciados dentre os preços e, especialmente, entre estes e os salários. A impossibilidade dos agentes que percebem baixa remuneração em assegurar correção monetária aos seus rendimentos no setor financeiro, como o faz o restante da sociedade num ambiente inflacionário, conduz a uma redistribuição de renda, no mínimo, perversa.
O acúmulo de anos em regime de alta inflação gera resultados desastrosos: concentração de renda, elevação do grau de incerteza na economia, acentuação da especulação financeira e redução dos investimentos no setor produtivo, dentre outros.
Depois de fracassados vários programas de estabilização, a continuidade do Plano Real parece ganhar força de exigência. E isto, apesar das duras medidas que incorpora. Para o processo de estabilização, a âncora cambial tem se configurado num instrumento bastante importante.
Frente ao diferencial significativo existente entre as taxas de juros no mercado interno e externo, a taxa de câmbio valorizada vem funcionando como uma barreira à entrada excessiva de capitais estrangeiros. Vale ressaltar que a entrada de dólares no país tem contrapartida direta na conversão em reais. O que eleva a liquidez da economia, com riscos para o combate à inflação.
Nas importações, a valorização do câmbio funciona como um subsídio, reduzindo custo e, consequentemente, o impacto dos importados nos índices de inflação. Decorre uma maior oferta de bens internamente aliviando as pressões naturais do aquecimento da demanda sobre os preços. Contudo, o barateamento das importações traz dificuldades aos segmentos menos competitivos da indústria brasileira.
Diante da concorrência mais acirrada com os importados, algumas empresas em dificuldade poderão necessitar de mudança de estrutura de seu capital. Fusões e incorporações várias devem ocorrer, abrindo espaço para uma maior participação do capital estrangeiro no país. Com a perspectiva de estabilização, é de se esperar a inserção mais vigorosa do Brasil no processo de globalização do capital.
No que tange o setor exportador, os efeitos da valorização cambial são potencialmente perversos. Com o real ainda artificialmente valorizado, a competitividade dos produtos exportados ode ser duramente afetada. Mas precisamos qualificar tal afirmação: alguns segmentos deste setor certamente estão passando por sérias dificuldades, quando outros não.
A competitividade das empresas exportadoras não pode ser analisada considerando-se apenas a valorização cambial. Os termos de comércio (preço no mercado internacional), o conteúdo de importação, a produtividade e, portanto, a lucratividade dessas empresas são elementos importantes.
Assim sendo, é natural que os segmentos mais afetados busquem junto ao governo alternativas específicas para minorar os efeitos do câmbio. O que não parece razoável é a flexibilização do principal instrumento de estabilização da economia, quando sabemos que estaríamos dando tratamento igual a desiguais.
Sendo o foco da política econômica a estabilização dos preços, parece inevitável a manutenção da valorização do câmbio em 1995. Alguma desvalorização cambial deve ser esperada para o próximo ano, mas não sua correção integral. E isto baseado no próprio movimento de capitais que hoje se dá.
O ingresso líquido de divisas no país, acentuando a tendência já observada, deverá ter origem não nas transações comerciais, mas na conta de capital. A perspectiva é de uma redução das exportações, da continuidade do processo de crescimento as importações, com saldos decrescentes na balança comercial.
Vale lembrar a recente redução das alíquotas de importação e as facilitações legais para a compra de produtos no mercado externo. A conta de capital deverá ser responsável por um ingresso líquido propiciado, inclusive, por um incremento dos investimentos diretos no país.
Uma alternativa de inserção do capital estrangeiro na economia brasileira, a título de investimentos diretos, certamente estará relacionada com a reforma patrimonial do Estado. Uma maior participação dos Estados da Federação no processo de privatização será inevitável.
Com o objetivo de melhorar o desempenho orçamentário, os Estados deverão se desmobilizar patrimonialmente, tornando-se ativos nesta nova etapa de privatização. A disposição demonstrada pelos governadores para resolver seus problemas de caixa, passando inclusive pelo saneamento dos bancos estaduais, parece reforçar este argumento.
Assim, a perspectiva para 1995 é de continuidade do processo de estabilização. A utilização de instrumentos de política econômica não muito populares deverá ser mantida sempre que necessária: a valorização do câmbio, a manutenção de taxas de juros elevadas e a restrição do crédito.
Que o sacrifício não seja em vão –é o que se deseja. A sociedade deve cobrar daqui por diante a efetivação das reformas para que, finalmente, possamos viver os frutos de uma economia estabilizada.

CLARICE PECHMAN, 40, e ENILCE LEITE MELO, 29, são, respectivamente, diretora-executiva e gerente do Departamento Técnico da Anecc (Associação Nacional de Empresas Credenciadas em Câmbio).

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