São Paulo, sexta-feira, 6 de janeiro de 1995
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Espírito atual é de otimismo desmobilizado

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Há uma certa trivialidade em ser otimista. Claro que, a cada começo de ano, a cada novo governo, o sentimento se generaliza e se repete. Foram muitos, todavia, os alarmes falsos a que estivemos submetidos no passado recente –Tancredo, o Cruzado, o Plano Collor– e é lógico que, depois de tantas decepções, o melhor é não exprimir otimismo nenhum.
Mas o enfoque pessimista –espécie de deturpação profissional do jornalismo– não está isento por sua vez dos riscos de trivialidade.
Seria o caso de dizer que as duas atitudes, otimismo e pessimismo, já cansaram um pouco. Acho preferível não achar nada.
Passou o tempo em que o otimismo contava entre os instrumentos a que recorria a administração pública. O entusiasmo corporificado por Juscelino, nos anos 50, tinha a meu ver uma clara função política e ideológica. Tratava-se de apresentar a industrialização, o "desenvolvimento", como uma luta que ocorresse no plano das "mentalidades", das "consciências".
Em vez de lutar contra adversários reais, contra interesses sociais concretos, lutava-se, nos anos 50, contra atitudes de espírito: "o desânimo", "a descrença".
Não que coisas como desânimo ou descrença não existam. Existem. Mas há pessoas concretas, classes sociais, grupos políticos –penso nas oligarquias decadentes, nos rentistas ameaçados pela inflação, na classe média tradicional– que tendem, por sua própria condição econômica, ao desânimo e ao pessimismo.
Quando JK fez sua cruzada pelo entusiasmo, estava a meu ver deslocando os conflitos reais travados em torno de seu governo para o rumo mais impalpável das atitudes e dos estados de espírito.
Peço desculpas pelo tom "sociológico" das considerações acima. A sociologia anda, paradoxalmente, um tanto fora de moda agora que temos um sociólogo presidente.
Talvez o estado de espírito mais característico do momento atual seja o de um otimismo desmobilizado. FHC pede confiança à população; ele a tem. Poderia pedir paciência, também, mas ainda não precisa disso.
Num misto de confiança e de inércia, somos otimistas por exaustão, pessimistas por hábito, entusiastas por comodismo, céticos porque escaldados, realistas porque já sonhamos demais.
Interessante, aliás, é ver como a rigor otimismo e pessimismo se confundem no pensamento econômico dominante. Os mais enfáticos defensores do crescimento são sempre os primeiros a falar na necessidade de "sacrifícios". Prosperidade e arrocho, desenvolvimento e desemprego costumam se arranjar numa elegante construção econométrica. Vacas magras e vacas gordas passeiam confusamente nos pastos do futuro.
Mas a moda de falar em sacrifícios está, aparentemente, em declínio. O Plano Real reeditou, discretamente, a esperança de estabilidade da moeda junto com crescimento econômico e, até, justiça social.
Ignoro se isso é possível. Registro, apenas, que essa esperança já se expressou através de discursos delirantes, calorosos, triunfais. O otimismo atual dispensa, ao que parece, esganiçamentos e fanfarras.
As próprias autoridades se mostram mais cautelosas. Para quem é pessimista, isto não deixa de ser uma boa notícia.

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