São Paulo, sexta-feira, 6 de janeiro de 1995
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Cecília satisfez meu desejo de jiló

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Obrigada, leitores deste ano que passou. Obrigada aos que lêem e aos que escrevem.
Como é bom receber carta de leitor, mesmo que seja espinafrando a matéria. No outro dia, fui falar sobre comida da Indonésia e a Meta van Hien, que é indonésia, e mora com 30 gatos em Santo André, queria me arrancar os olhos. E por quê? Entre outras coisas, porque eu havia comido "martabak" (pastel) frio. O "martabak" é quente, protestava. É coisa de rua, de barraquinha, feito na hora.
Meta, eu sei que é quente, mas que culpa tenho se me foi servido frio, como dobrada à moda do Porto, que nunca se come fria, mas que foi servida fria?
Já a Cecília Castro Cunha, especialista em comida tailandesa, lendo a mesma matéria, viu que eu estava com desejo de um pequeno jiló tailandês e me mandou um pacote de sementes. Existe coisa mais cheia de promessa, de vigor, de potência, do que um envelope colorido de sementes?
Logo imaginei uma horta se estendendo morro acima, em Paraty, coalhada de frutos exóticos, mais tarde transformados em "curries" violentamente apimentados. Já, já, Maria Cecília vai receber uma cesta de legumes tailo-cariocas. Desconfio que também se surpreenderá, pois os cachos de jiló ou berinjela que aparecem no desenho do envelope nada mais são do que a nossa jurubeba, a quem fui apresentada muito recentemente. Juru, juru, jurubeba, aquela mesma, Leão do Norte. A Tailândia e o Haiti são aqui, Maria Cecilia!
A leitora Marisa Veiga, tapeceira e tecelã que sabe os segredos de todos os fios, que desvenda os avessos mais labirínticos, detesta cozinhar e me cumula de receitas, artigos, novidades, arrancados das revistas que lê, preocupada em ser atacada pelo vírus culinário. Xô, feijão com arroz! No mês passado, limpou as estantes e me mandou, no anonimato, livros de cozinha de sua mãe, que também foram seus. Ao tentar achar, entre as páginas, quem seria a doadora secreta, descobri preciosidades.
Os livros eram do tempo em que não existia o Partido Verde, nem preocupações ecológicas, nem o politicamente correto. Tinha receitas de tartaruga. "Morta a tartaruga, corta-se-lhe a cabeça e pendura-se pelas nadadeiras traseiras a fim de sangrar." Coisa de macho. Receitas de pombas juritis com arroz. "Tratam-se as pombas procurando com cuidado os chumbos, caso tenham sido mortas por tiros." Jacus recheados, inhambus assados, pacas no espeto, tatus assados.
A comadre Margarida contribuiu com duas receitas avulsas, uma de pão com torresmo, outra de bolo simples.
Um cartão postal faz propaganda do xarope Paracodine, ótimo para a tosse, mostrando uma loura de perfil, cabelinho à la garçonne, vestido verde cítrico, muito decô. Ela tosse, constrangida, bochecha vermelha, cobrindo a boca com o lenço. A seu lado, levando-a embora, pelo braço, um companheiro de fraque e monóculo.
E mais e mais, nos livros de Marisa Veiga. Uma carta manuscrita, do avô Pestana para o amigo Durval, que começa assim: "Oh, irreconciliável inimigo das mulheres, bom dia e saúde... Vamos arranhar um pouco a amarga defesa das mulheres..." E se alonga por quatro páginas, concluindo que a pureza das mulheres depende da pureza dos homens.
Ora, Marisa, valeu.
E o Luiz Henrique Horta? Não é parente e já virou amigo. O último artigo que me mandou era sobre Harold McGee, um cientista que se dedica a pesquisar os porquês dos fenômenos culinários. Por exemplo. Já perceberam que quando um cozinheiro de óculos frita alguma coisa, o interior das lentes fica engordurado? O interior e não o lado de fora, como seria lógico. Pois descobriu que as gotículas de gordura sobem para o alto, no ar, e caem lá de cima. Como os cozinheiros estão sempre olhando para as panelas, a parte interna dos óculos é que fica exposta à chuvinha poluente. Qual a solução? Abaixo a clássica "toque". O remédio é cozinhar com boné de aba.
Nada melhor do que leitores escritores. Ânimo, cartas neste 95 e feliz Ano Novo!

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