São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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A crise do México e as forças do mercado

LUIZ GONZAGA BELLUZZO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os mercados financeiros tentaram, nos primeiros dias, reduzir a importância da crise cambial mexicana. Agora, depois de anunciado o novo programa de estabilização, a linguagem mudou, passando das palavras de apaziguamento às frases de hostilidade e desconfiança.
O economista-chefe da Daiwa Securities, David Fleming, afirmou com a sutileza de praxe: "o governo do México aprendeu que, no seu processo de abertura para a economia mundial, não pode lutar indefinidamente contra as forças do mercado".
Salvo engano, o governo de Salinas de Gortari não economizou esforços, nos sete anos de seu mandato, para cumprir a agenda que lhe foi passada pelos que se apresentavam como porta-vozes desta enteléquia suprema, o mercado, diante da qual muitos gostariam de se prostrar de joelhos.
Ajuste fiscal drástico, com geração de superávit nas contas públicas, ampla abertura comercial, descompressão financeira e livre movimento de capitais constaram do cardápio, acompanhados de intensa privatização de empresas estatais, da desregulamentação e da eliminação de subsídios e incentivos. O Pacto de Solidariedade constituiu-se na tímida homenagem que as novas virtudes prestam aos velhos vícios.
Acumulou, além disso, passivos em moeda estrangeira, no setor público e na esfera privada, que podem chegar a US$ 200 bilhões. Entre estes débitos, os mais problemáticos, a curto prazo, são os Tresobonos que vencem à razão de US$ 700 milhões por semana ao longo de 1995.
Depois da megadesvalorização, o ajuste fiscal foi para o espaço e o fundo endeusado pela opinião dos "mercados" como um homem sério, moderno e competente. Não faltou, aliás, quem pretendesse crucificar e responsabilizar o ex-ministro das Finanças do novo governo, Serra Puche, pela catástrofe cambial e financeira.
Os que atiram pedras são provavelmente os mesmos que nas reuniões internacionais vendiam o México e o ex-ministro do velho governo, Pedro Aspe, como casos de sucesso na execução das políticas corretas e modernizantes.
Tayllerand dizia que os Bourbon nada esqueciam, mas também nada aprendiam. Entre o colapso mexicano de 1982 e a "encalacrada" de 1994 transcorreram 12 anos. Os processos que detonaram as crises são, em certo sentido, distintos.
Elemento comum é a excessiva dependência do financiamento externo, sendo que a entrada de capitais dos anos 90 apresenta desvantagens nítidas em termos de prazos, volatilidade, natureza e destinação dos recursos.
O endividamento dos anos 60 e 70 deixou, em muitos países, uma infra-estrutura e um setor industrial modernizados, apesar do frequente descompasso entre o vulto de alguns projetos e sua capacidade, quando em operação, de gerar divisas para pagar os empréstimos.
Nos anos 90, os países foram inundados pela maré de capital líquido e especulativo que desbordou do centro para a periferia "emergente", em resposta ao diferencial de juros que se ampliava à medida que eram abrandadas as políticas monetárias nos países desenvolvidos.
A crise mexicana informa aos desavisados: não foram os países e seus mercados "emergentes" que voltaram ao mercado internacional de capitais, mas, sim, foram os mercados de capitais que voltaram aos países ditos emergentes.
Nessas circunstâncias favoráveis foram executados os programas de desinflação rápida com âncora (e valorização) cambial e abertura da economia. Foram registrados progressos na situação fiscal e o crescimento reapareceu impulsionado, sobretudo, pelos ganhos de renda real decorrentes da estabilização.
Nos porões dessa euforia ampliavam-se o déficit em conta corrente, o estoque da dívida em moeda estrangeira e acentuava-se o encolhimento da estrutura produtiva; com desestímulo mais intenso às atividades exportadoras e àquelas voltadas para a substituição de importações.
Resta, para os mexicanos, o consolo de que a brutal desvalorização do peso possa reanimar as exportações. Isto se a inflação, a crise financeira das empresas e dos bancos e, mais importante, a desconfiança dos investidores estrangeiros não desencadearem o tradicional ciclo cumulativo de desgraças.
A crise mexicana oferece uma nova oportunidade para a discussão de velhos problemas do desenvolvimento latino-americano. Entre eles, vou me concentrar nas questões polêmicas relativas ao financiamento do Estado e à fragilidade crônica dos sistemas financeiros domésticos.
Há uma quase unanimidade quanto à imperiosa necessidade de um "ajuste fiscal" consistente do ponto de vista da trajetória intertemporal. Esta exigência torna-se ainda mais imperiosa para países que sofreram os danos da hiperinflação ou conviveram com inflação cronicamente elevada e instável.
Nesses casos, é indiscutível o colapso do padrão monetário nacional e a consequente degradação das condições de financiamento dos desequilíbrios do setor público pelos mercados privados domésticos. Estes, como a experiência demonstra, têm sido também incapazes de financiar adequadamente o setor privado.
É possível afirmar que países submetidos a traumas hiperinflacionários estão –raciocinando no limite– diante de uma disjuntiva desagradável: ou aceitam "regredir" para formas compulsórias e básicas de financiamento ou passam a depender da dolarização crescente da economia, submetendo-se à perda de controle sobre a política monetária e de crédito e às incertezas das avaliações dos mercados financeiros internacionais.
Além disso, reduzir a indesejável exposição aos mercados financeiros instáveis exigirá, quase certamente, a constituição e mobilização de fundos financeiros públicos –formados por "poupança" compulsória ou semicompulsória– destinados a cumprir o papel que os sistemas privados de financiamento não têm sido capazes de desempenhar.
É desnecessário enfatizar a importância desse "modelo" de financiamento como suporte de políticas de fixação da taxa de câmbio real em níveis apropriados e de redução das taxas de juros.

LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO, 52, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

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