São Paulo, terça-feira, 10 de janeiro de 1995
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Empresário é contra a dolarização da economia

SEBASTIÃO NASCIMENTO
EDITOR INTERINO DO AGROFOLHA

O setor exportador é importante, mas o mercado interno é muito mais. A opinião é do empresário Ney Bittencourt Araújo, presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag).
Apesar de reconhecer que a sobrevalorização do real cria problemas aos exportadores, ele considera um risco a proposta de dolarização feita por alguns empresários.
Lutar contra o protecionismo dos países do Primeiro Mundo é mais importante, diz ele, citando a taxação imposta pelo EUA ao suco de laranja brasileiro.
"Nós estamos abrindo a nossa economia sem obter resposta dos países do Primeiro Mundo".
Esses temas, além da escolha de José Eduardo de Andrade Vieira para a pasta da Agricultura, a reforma do Estado e o Mercosul, foram abordados na entrevista concedida por Bittencourt, que é também presidente da Agroceres.
Esses são os principais trechos:

CÂMBIO
A sobrevalorização do real, se continuar, pode realmente criar problemas sérios aos produtos de exportação. No caso da soja, por exemplo, o problema não atinge todas as áreas, mas marginaliza imediatamente Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, devido ao custo de transporte rodoviário e das taxas portuárias. Mas todos nós que reclamamos não encontramos ainda uma saída para o problema. A sugestão de dolarização da economia, como fez a Argentina, é fácil, mas é um risco.

INFLAÇÃO
Para os exportadores, a dolarização seria uma boa saída, e eles são a favor. Mas para mim é um mergulho no escuro, porque para o Plano Real dar certo é preciso que se faça antes a reforma fiscal e da previdência, que seja resolvida a questão do tamanho do Estado. Se nós assumirmos a dolarização e tivermos contratempos no meio do caminho, como uma inflação anual de 20% a 25% ao ano, essa inflação será em dólar. A dolarização pode resolver o problema dos exportadores, mas não resolve o do país.

PROTECIONISMO
O protecionismo deve ser combatido. No caso da laranja, por exemplo, os EUA impõem uma taxação de US$ 485 por t do suco exportado. Assim, nós estamos abrindo a nossa economia sem obter resposta dos países do Primeiro Mundo.

PROPOSTAS DA ABAG
Achamos importante integrar as ações do agribusiness às dos ministérios da Fazenda e das Relações Exteriores e também impedir, através de políticas compensatórias, que produtos agrícolas e agroindustriais venham competir no mercado interno gozando de subsídios em seu país de origem. COMERCIALIZAÇÃO
Temos de pensar também na questão da modernização da comercialização. O governo não tem mais condições de manter o sistema de EGF e AGF. Ele não pode mexer com as Bolsas do mercado físico, que promovem a transparência de preço e premia a qualidade do produto. O mercado físico atrai mais agentes e aumenta a oferta e a demanda, tornando os preços mais transparentes. Mas a alta taxação, através do ICMS, atrapalha esse sistema de Bolsa.

MERCOSUL
Eu sou a favor do Mercosul como uma forma de integrar um mercado maior para disputar com outros blocos e outras partes do mundo. Uma decisão como o Mercosul não pode ser tomada simplesmente para que um país venda ao outro e para prejudicar um lado e outro. Toda vez que é formado um mercado comum há ganhadores e perdedores. No caso típico do Brasil temos ganhadores na indústria e perdedores na agricultura. A indústria brasileira foi mais ativa que o setor agrícola, por responsabilidade do governo, que fez as coisas às escondidas, enquanto na Argentina houve envolvimento das empresas agrícolas, da Sociedade Rural, etc. O Mercosul foi mais discutido na Argentina do que no Brasil.

TRIGO E LEITE
Ainda em relação ao Mercosul, eu não vejo muito problemas com o trigo e o leite, embora alguns ajustes devam ser feitos. No caso do trigo, os subsídios no Primeiro Mundo são de tal forma acentuados que os preços foram puxados para baixo. Graças às condições de clima e solo, a Argentina conseguiu competir sem subsídios com países como EUA e Canadá. No momento em que se fala em Mercosul, o Brasil importa trigo subsidiado do Canadá e dos EUA e deixa de comprar o trigo da Argentina. Na verdade, seria natural a gente usar a Argentina como nosso fornecedor de trigo. Quanto ao leite, ocorre um fenômeno interessante. A produtividade no Brasil é baixa na fazenda. Mas a produtividade da indústria nacional de laticínios é muito mais alta que a Argentina. Assim, quando o leite chega na boca do consumidor as diferenças não são grandes.

MILHO
No caso do milho, minha área de trabalho, eu acho que o Rio Grande do Sul vai sofrer um impacto forte com o custo de produção baixo do milho argentino. Mas quem vai agregar valor no processo será o Brasil, que vai trazer milho barato e fazer o porco agregar valor e vender aqui e na Argentina, porque a tecnologia do suíno na Argentina está muito atrasada em relação à nossa.

REFORMA DO ESTADO
No âmbito da reforma do Estado, redefinir as funções do Maara (Ministério da Agricultura, Abastecimento e Reforma Agrária) é fundamental, descentralizando programas que dependam da ação conjunta de outros ministérios. Algumas medidas já tiveram início no governo Itamar. Mas a Secretaria Nacional de Defesa está desmoronada e tem de ser reconstituída, porque a parte de defesa sanitária animal pode ser delegada para Estados e municípios, mas não para a iniciativa privada. A Abag apóia a proposta de transformar a Secretaria Nacional de Defesa numa fundação, com taxas de serviço e condições diferenciadas para que ela possa fazer planos de carreira e ter profissionais qualificados.

PRODUTIVIDADE
A produtividade agrícola aponta para cima. Apesar das variações do clima, ela vem melhorando. Mas eu não vejo crescimento na área plantada. Ou seja, o Brasil agora marca seu crescimento na agricultura através do aumento na produtividade.

ANDRADE VIEIRA
Reconheço que a escolha dele não teve um impacto muito positivo junto aos agricultores. Eu, inclusive, sonhava com um nome que não era o de Andrade Vieira no Ministério da Agricultura. Não tenho, porém, nenhuma restrição a seu nome e não concordo muito com políticos que fizeram críticas ao fato de um banqueiro ocupar a pasta da Agricultura.
Andrade Vieira não é um novato na agricultura. Antes de dirigir o Bamerindus ele controlava os negócios agrícolas de sua família. Outro ponto importante na sua escolha é que a agricultura precisa de um homem de trânsito político e de comunicação direta com o presidente. Além do mais, Andrade Vieira tem ambições políticas e certamente precisa ser um bom ministro para dar continuidade à sua carreira.

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