São Paulo, terça-feira, 10 de janeiro de 1995
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Menos funcionários, melhores serviços

DALMO DE ABREU DALLARI

Todas as pessoas que vivem em qualquer cidade do mundo necessitam de serviços públicos e querem que tais serviços sejam de boa qualidade, eficientes e baratos. Evidentemente, as pessoas mais pobres necessitam mais dos serviços públicos e estes são vitais para a maioria da população nos países em que a porcentagem de ricos é pequena.
Basta isso para se deixar evidente a ingenuidade e falta de visão dos que pretendem, pura e simplesmente, acabar com os serviços públicos no Brasil, passando tudo para a iniciativa privada. Será mais realista e mais inteligente um esforço para o aperfeiçoamento do setor público, visando torná-lo mais eficiente e menos oneroso para os contribuintes.
O Brasil tem excesso de servidores públicos e no entanto não tem um bom serviço público. Foi a partir dessa generalização que Fernando Collor anunciou que iria demitir, sumariamente, 400 mil funcionários públicos federais. Muitos aplaudiram essa idéia, sem perceber que, além de inconstitucional, ela era simplista e, se fosse efetivada, acarretaria evidentes injustiças e traria sérios prejuízos a muitos setores da área pública e aos usuários dos serviços.
Na realidade, se uma empresa pretender diminuir suas despesas despedindo, sem uma análise prévia e cuidadosa, 10% de seus funcionários, acabará pagando muito caro por essa economia e terá mais prejuízo do que benefício. O mesmo aconteceria no setor público.
No caso brasileiro, o excesso de funcionários e a existência de muitos sem o mínimo de preparo que seria razoável exigir e sem interesse em desempenhar melhor suas funções são fatos que decorrem de vícios históricos, entre os quais a concepção de que tudo o que é público tem pouca importância e por isso não precisa de boa qualidade.
É possível e necessário corrigir esses vícios, sem ferir a Constituição, sem criar o problema social que seria gerado pelo desemprego de grande número de arrimos de família, sem a injustiça de mandar para a rua muitos servidores honestos, competentes e dedicados, sem prejudicar a qualidade de setores que hoje funcionam bem, sem castigar os servidores pelo erro cometido pelos que pediram a nomeação de parentes, amigos e cabos eleitorais como um favor e pelo erro dos que intermediaram e efetivaram essas nomeações. Como fazer essa correção?
O primeiro passo deverá ser o levantamento, em prazo curto e determinado, dos cargos e funções que podem ser considerados dispensáveis em suas repartições atuais. Com base nesse levantamento, esses cargos e funções deverão passar para um "quadro em extinção", estabelecido por lei, ficando expresso que eles irão sendo extintos à medida que ficarem vagos por qualquer motivo.
Assim, se o ocupante de um desses cargos ou funções for promovido, removido, aposentar-se, pedir exoneração, for demitido ou morrer não será substituído. Desse modo não haverá ofensa a qualquer direito e em poucos anos o número de cargos sofrerá, fatalmente, considerável diminuição.
Inegavelmente, isso diminuiria as despesas e facilitaria o aperfeiçoamento dos serviços, mas deveria ser complementado por outras providências.
É preciso pensar nos serviços públicos como verdadeiros serviços, profissionalizando os servidores, dando-lhes meios para se aperfeiçoarem tecnicamente e equipando as repartições, como fazem as empresas quando procuram melhorar seu desempenho.
Ainda há muitas repartições usando velhos fichários manuscritos para serviços que nas empresas são informatizados. Em casos como esse, que são muitos, é injusto dizer que o servidor público é menos eficiente.
Por último, é preciso começar a tratar com seriedade o problema da remuneração dos servidores públicos. Não se pode mais admitir a equação "pago mal e, em compensação, exijo pouco ou nada". Obedecida com rigor a exigência de concurso público, reduzindo-se ao mínimo o número de cargos de confiança, cobrando-se dedicação e bom desempenho do servidor, punindo-se efetivamente e com justiça os relapsos e desonestos, a contrapartida deverá ser uma remuneração justa, equiparada à da empresa privada.
É preciso, entre outras coisas, que haja mais clareza, eliminando-se o vício dos adicionais, abonos e outros apêndices, que facilmente dão margem a arbitrariedades, privilégios e corrupção.
O povo –ricos e pobres, indivíduos e empresas– precisa de bons serviços públicos. E sem um setor público eficiente é ingenuidade pretender desenvolvimento econômico e social.

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