São Paulo, quinta-feira, 12 de janeiro de 1995
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Renda mínima, acesso à cidadania

JOSÉ ROBERTO MAGALHÃES TEIXEIRA

Toda análise sobre a atual conjuntura brasileira aponta para a mesma direção: a má distribuição de renda é a causa da maioria dos problemas do país. O perverso modelo concentrador adotado nas últimas décadas, e que permite a 10% de privilegiados deter quase metade de toda riqueza nacional, produz continuamente legiões de excluídos. Gente que disputa espaços em barracos, sob marquises de edifícios, ou vive de migalhas recolhidas pelas ruas das cidades.
Dissimulado durante os governos de exceção, esse atentado sistemático à cidadania ganhou mais visibilidade nesta última década. Infelizmente, em vez de propostas realistas para reduzir o abismo social existente na nação, o que se têm visto são fórmulas que, invariavelmente, conjugam demagogia e corrupção. No rastro desse imobilismo, multiplicaram-se os escândalos envolvendo entidades assistenciais "fantasmas", com a manipulação criminosa de grandes somas dos orçamentos públicos.
Mas nem tudo vai mal. A inflação, que agravava as disparidades sociais, começa a ceder. E, diante da perspectiva de estabilidade, já é possível vislumbrar uma sociedade onde exista melhor emprego dos recursos produtivos com a consequente redução dos níveis de pobreza. Contudo, isso não exclui a busca de alternativas imediatas para atenuar a grave crise social existente.
A implantação do programa de garantia de renda mínima, já aprovado pelo Senado, é uma tentativa de romper com décadas de distanciamento do Estado e da sociedade em relação às camadas menos favorecidas da população. Com isso, parcela da riqueza nacional seria repassada diretamente para o bolso de cidadãos que ganham menos que o suficiente para sobreviver.
No intenso debate que se trava em torno desse tema, Campinas oferece importante contribuição. Nossa administração acaba de instituir um programa de renda mínima para famílias com filhos até 14 anos, inaugurando um procedimento inédito de assistência social direta.
O projeto, já transformado em lei pela Câmara de Vereadores, atenderá famílias residentes na cidade há pelo menos dois anos cuja renda "per capita" mensal não atinja R$ 35. O cálculo do benefício mensal corresponderá à diferença entre o valor necessário para atingir a renda de R$ 35 e o total de rendimentos da família (pai, mãe, filhos ou dependentes menores de 14 anos).
Assim, um grupo familiar de sete pessoas com rendimento mensal de R$ 100, por exemplo, receberia um complemento de R$ 145, pagos pela prefeitura. Essa remuneração complementar está vinculada ao compromisso dos pais em oferecer ambiente de vida digno aos filhos e também à obrigatoriedade de matriculá-los na escola. Para execução do programa, a Prefeitura de Campinas destinará até 1% do Orçamento global previsto para 1995.
O projeto de Campinas prevê atendimento específico às famílias com filhos em situação de risco (crianças que perambulam pelas ruas e também as que apresentam quadro de desnutrição). Ao demarcar os limites de seu programa de renda mínima, Campinas considera vários aspectos relevantes. Um deles é a necessidade imediata de reconduzir essas crianças para um processo de cidadania, afastando-as das ruas, onde certamente estarão condenadas à uma condição irreversível de marginalidade.
A garantia de renda mínima familiar também cria excelentes perspectivas de redução da mortalidade infantil, que nessa faixa da população alcança níveis comparáveis aos países mais atrasados do mundo. O mecanismo de complementação implica ainda num melhor atendimento das crianças por parte dos pais, que passarão a ter assegurados os meios para seu sustento e o de seus filhos. Outra consequência previsível: a desintegração familiar, motivada por razões econômicas, será contida.
Mas a amplitude do programa é ainda maior. Sobretudo porque, se oferecermos às crianças a possibilidade de um desenvolvimento pessoal e social, estaremos contribuindo para evitar a continuidade do processo de degradação enfrentado por milhões de brasileiros.
Por fim, ao implementar o projeto de garantia de renda mínima no âmbito municipal, governo e sociedade asseguram melhor gerenciamento, plena transparência ao processo e, acima de tudo, maior respeito à cidadania.

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