São Paulo, sexta-feira, 13 de janeiro de 1995
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O desafio da dívida social

MIGUEL JORGE

O novo governo está sentado sobre um vulcão apagado mas não extinto, e que é a dívida social do país para 60 milhões de brasileiros pobres e indigentes. Esse número é 41% da nossa população de 147 milhões.
Assim, nada mais importante para o novo governo e para cada um de nós, brasileiros que estamos fora daquela conta de 60 milhões de pobres e indigentes, que empregar todos os recursos da democracia para integrar à cidadania e à economia formal esse enorme contingente de marginalizados da riqueza nacional.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, eleito democraticamente num dos mais limpos e tranquilos processos de nossa história republicana, sucedeu a um governo que assumiu após o mais ordenado processo de impedimento de um presidente de que se tem notícia na história das nações. Um Congresso renovado certamente deverá representar aspirações populares mais definidas.
Temos, enfim, instituições políticas que se tornam rapidamente sólidas, e nas quais o novo governo deve se apoiar para fazer mais justiça social, distribuir melhor os resultados da produção nacional, elevar o nível de renda dos brasileiros, acabar com os privilégios de minorias encasteladas em monopólios estatais ou privados e aplicar um sistema mínimo de educação e saúde para o povo.
Há enormes desafios, qualquer que seja o parâmetro utilizado. Apesar dos números promissores dos últimos dois anos, que apontam para um crescimento econômico sustentado, certamente são preocupantes o grande crescimento da pobreza urbana, os 16,6 milhões de indigentes e um Nordeste que, em sua ampla maioria, se equipara ao Quarto Mundo.
O homem brasileiro sem bens e sem horizontes que, um a um, junta-se para formar aquela estarrecedora estatística de quase metade de nossa população é uma imensa massa espalhada por várias regiões. Pouco a pouco, toma consciência de sua penúria, enquanto a maior parte dos brasileiros que podem –muito ou pouco, não importa– parece fazer olhos cegos e ouvidos moucos a esse terrível quadro.
Dados do IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), divulgados pouco antes do Natal, mostram bem o esforço que o novo governo precisará fazer para atender às demandas por comida, saúde, educação, emprego etc., para manter em condições razoavelmente justas o crescimento econômico do país.
Se foi possível elevar o padrão de vida de parte da população nos últimos anos, aumentando sua renda e sua capacidade de consumo, torna-se forçoso reconhecer que esses avanços foram modestos diante da dívida que se precisará resgatar com ações governamentais inovadoras.
Não se trata de revolução ou de milagres econômicos, mas sim de maciços investimentos privados e públicos para que se comece a erradicar a pobreza. Não se escapa, de forma nenhuma, a essa realidade, se o país quiser conservar a única democracia que já conheceu e que precisa ser, além de política, econômica.
Parece claro que só temos mais pobres e indigentes por causa da sensível redução da taxa de natalidade entre 1980 e 1990 –o que torna mais grave ainda a falta de atenção dos governos, em todos os níveis, e de cada um de nós, para as necessárias políticas sociais.
Segundo dados do Ipea, temos hoje 42 milhões de pobres, ou 30% da população, sem renda para suprir as necessidades básicas de alimentação, vestuário etc. O crescimento da pobreza nas periferias das grandes cidades torna-se ainda mais grave quando se analisa o fato de que exatamente aí ocorrem os maiores contrastes de renda e de riqueza. Mais impressionante ainda: 50% dos pobres metropolitanos, ou 12 milhões de pessoas, estão em São Paulo e no Rio.
Do que esses brasileiros precisam, o que eles querem e o que, como nação, estamos obrigados a fornecer não é o acesso aos centros decisórios de poder, não é a cristalização de um novo status social, não é uma nova forma de consciência política ou de democracia, não é uma nova estratégia de crescimento econômico.
Esses milhões de brasileiros querem coisas pequenas e imediatas do dia-a-dia de qualquer cidadão de um país civilizado. Eles querem ser atendidos por um médico quando sentirem-se mal, querem ter um leito de hospital quando ficarem doentes, querem uma carteira escolar para seu filho estudar, querem um emprego que os mantenha vivos.
Esses milhões de brasileiros esperam há muito tempo por essas coisas pequenas, imediatas, mas fundamentais.
Nosso novo presidente parece ter ouvido esse clamor e, certamente por isso, promete dar respostas efetivas às necessidades e esperanças daqueles brasileiros. Não vacilou em propor uma cruzada contra a pobreza, utilizando-se de todos os instrumentos da democracia, e que estão nas mãos da sociedade.
Basta saber usá-los para que o Brasil tenha 147 milhões de brasileiros com riqueza em vez de tornar-se, apenas, um país mais rico.

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