São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Limites judiciais da acusação beneficiam a sociedade

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A criminalidade crescente e a corrupção administrativa, a quase certeza de que o delito não é punido, a facilidade para o crime do colarinho branco, a tendência para o descumprimento das regras de conduta nos grandes centros urbanos, criam em muitos a impressão de que se torna necessário agravar as penas e reforçar os poderes dos encarregados de movimentar a ação penal, tais como o da prisão cautelar, o da quebra do sigilo bancário, mediante requisição direta do promotor.
O debate de tais temas tem agitado mais de um país civilizado. Assim, começo por afastar a velha tolice de que essas coisas só acontecem no Brasil. Agora que se fala, na Itália, do partido das "mãos limpas" é oportuno tratar do tema. Os promotores não devem ter poderes cujo exercício independa sempre das decisões judiciais. Devem manter a competência outorgada em 1988 para o Ministério Público, sem possibilidade de interferirem livremente na vida dos cidadãos, independente da aferição pelo Poder Judiciário dos limites de sua atuação.
São mais fortes os argumentos sustentados por outra corrente. O primeiro se relaciona com a ampla defesa e o contraditório. A igualdade jurídica entre o órgão da acusação e o da defesa é essencial para garantia dos direitos individuais. O juiz representa o equilíbrio entre os dois pólos. Não parto da hipótese de que os promotores desrespeitem a lei. Fundo-me sim, na necessidade de equilíbrio entre as partes, porque o interesse geral não é a condenação, mas que prepondere a verdade jurídica e que se preservem os inocentes.
Sob outro aspecto, considere-se que tanto o juiz quanto o promotor são órgãos do Estado. Em alguns países os dois segmentos são unificados na magistratura, conforme ocorre, por exemplo, na Itália das "mãos limpas". O famoso Antonio Di Pietro –que, agora, parece pronto para uma carreira política– foi um magistrado, mas vinculado ao Ministério Público. O sistema que defendo dificulta a vida da acusação, mas preserva a legalidade do processo. Permite igualdade de oportunidades ao acusado e ao acusador. Trata-se de processo marcado pela democracia e pela realização eficaz da justiça.
Em alguns países já existe e em outros tem sido cogitado um aprimoramento que poderia ser adotado, sem prejudicar o direito de defesa. Consistiria em tornar imperativo, em cada inquérito policial, o acompanhamento pelo representante do Ministério Público, antes mesmo de sua remessa ao juiz competente. Na fase policial também atuariam acusação e defesa, de modo a aperfeiçoar os mecanismos de verificação da culpa e os de garantia da defesa, permitindo o arquivamento quando o promotor se convencesse da inexistência de delito.
Qualquer que seja a opção afinal dominante, a quase uniformidade dos estudiosos que têm familiaridade com o direito penal proclama a vantagem do devido processo legal. Sem este não há inocente que fique ao abrigo das violências contra seus direitos essenciais.

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