São Paulo, segunda-feira, 16 de janeiro de 1995
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México, juros e câmbio

MÁRCIO G.P. GARCIA

As últimas semanas foram marcadas pelos desdobramentos da crise mexicana. Os principais efeitos no Brasil foram sentidos nas Bolsas de Valores, cujos índices despencaram frente à saída de recursos de investidores externos e resgates de investidores internos. O câmbio pouco se moveu e os juros que se esperava que caíssem foram mantidos estáveis dada a conjuntura externa incerta.
Os piores temores quanto aos desdobramentos se referem ao "efeito tequila", que contagiaria a Argentina, chegando em seguida ao Brasil. A bola da vez seria a Argentina, cuja sobrevalorização cambial tampouco seria sustentável.
Um curioso argumento que se encontra com frequência na imprensa é o de que a paridade do peso argentino ao dólar norte-americano seria mais crível do que a política cambial de banda superior ascendente do governo mexicano pré-crise. Isto porque, na Argentina, a política cambial está inscrita em lei, cuja modificação exige aprovação congressual, e não somente um ato de vontade do Executivo e do Banco Central.
Tal argumento é evidentemente falho, pois se inscrever em lei fosse condição para conferir credibilidade à fixação de um preço (o câmbio) pela política econômica, razão teriam os nossos legisladores quando resolveram arbitrar aumentos de um outro preço (os salários) em lei. Em economia, sabe-se bem que preços são, ao fim e ao cabo, determinados por condições de oferta e demanda, e não através de disposições legais.
Caso a Argentina venha a se defrontar com uma crise cambial na dimensão da corrida no México, o Banco Central argentino só terá como opção suspender a conversibilidade. É difícil imaginar que –mesmo havendo lastro integral em divisas para a moeda argentina– o governo argentino recorra à outra opção, qual seja, a de eliminar o peso argentino, trocando toda a moeda doméstica por dólares norte-americanos. A lei é útil para conferir credibilidade em tempos normais, mas pouco ajuda se houver uma grande crise.
O que diferencia o caso argentino do caso mexicano é que na Argentina os fundamentos macroeconômicos não estão em estado tão ruim quanto no México. Os déficits em conta corrente no balanço de pagamentos não são tão elevados, o crescimento do PIB foi maior e o volume de reservas internacionais não chegou a níveis tão reduzidos.
Por via das dúvidas, um pacote de empréstimos para sustentar o peso argentino –a exemplo do que se montou para o México– certamente ajudaria a passar o efeito da presente crise. Se isso vai ser suficiente para impedir o "efeito tequila" no longo prazo, vai depender das perspectivas de crescimento do país, muito influenciadas agora pelo destino do Mercosul.
Voltemos à lei da oferta e da procura para o câmbio, com o objetivo de determinar qual seria a taxa de câmbio, com o objetivo de determinar qual seria a taxa de câmbio de equilíbrio (TCE). Note-se que a TCE não passa de uma abstração, podendo nunca se verificar na prática.
A idéia aqui é que sob câmbio flexível, sempre que os distúrbios do dia a dia da economia levassem a taxa cambial para longe da TCE, a primeira tenderia a gravitar de volta à TCE. Desvios muito grandes entre a TCE e o câmbio levariam a correções traumáticas como a ocorrida no México recentemente ou em vários países europeus em 1992.
O que determina a TCE? Basicamente, os fatores que determinam a oferta e a demanda por câmbio, quais sejam, os fatores determinantes da conta corrente e da conta capital do balanço de pagamentos. A produtividade e a qualidade dos produtos determinam o desempenho do saldo comercial: os juros internacionais e o estoque da dívida externa pregressa juntamente com as remessas de divisas de nossos patrícios no exterior determinam em grande medida o saldo dos serviços dos fatores. O saldo em conta corrente do balanço de pagamentos é a soma dessas variáveis.
A conta capital reflete, no longo prazo, o desejo de transferir poupança entre países. Como país com grande potencial de crescimento, o Brasil se coloca no primeiro time para receber fluxos de poupança externa em busca das altas taxas de retorno proporcionadas pelo crescimento da nossa economia.
Países ricos com população não predominante idosa, como o caso dos EUA hoje, tendem a transferir poupança para os países com melhores perspectivas de crescimento para, no futuro, poderem reverter o fluxo e financiar a aposentadoria dos contribuintes de hoje.
No curto prazo, entretanto, a conta capital responde a diferenciais de juros. O influxo de capitais registrado pela economia brasileira nos últimos três anos foi, em grande medida, resultado do diferencial de juros, e não das melhores perspectivas da economia brasileira, posto que estas não eram, até recentemente, tão boas assim.
Assim, um possível e necessário declínio das taxas de juros domésticas pode levar a uma pressão sobre o câmbio, no sentido de desvalorizá-lo. Tal pressão poderia ser contrarrestada pela melhora dos clima de negócios no Brasil com o sucesso do Plano Real.
Certamente, a crise mexicana atrapalhou tal possibilidade. Ou seja, pelo menos durante sua duração, a crise mexicana, por afetar negativamente o ânimo dos investidores estrangeiros em relação ao Brasil, desvalorizou a TCE.
Tal movimento enfatiza ainda mais a necessidade de se prover uma definição mais clara da política cambial. Sem uma definição mais precisa do câmbio, o mercado carece dos parâmetros necessários para balizar sua atuação futura, exigindo como contrapartida uma maior remuneração e se recusando a apostas mais longas, como se impõem para o necessário alongamento da dívida pública. Com uma política cambial que o mercado considere crível porque consistente (não sistematicamente distante da TCE), será mais fácil reduzir os juros e alongar a dívida quando e se a crise mexicana passar.

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