São Paulo, segunda-feira, 16 de janeiro de 1995
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Quando se cumprem os sonhos de infância

MARCELO FROMER; NANDO REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Aí está a Copa São Paulo, com a molecada cheia de gás, correndo atrás da bola em direção ao gol. As revelações, as confirmações, a intensidade e a velocidade de quem, há pouco tempo, devia estar com seu pai ou tio em uma arquibancada qualquer, com a camisa do seu time predileto mais parecendo uma saia, para além dos joelhos, quase perto dos meiões.
Um campeonato que visa a descobrir novos talentos já se basta como propósito, mas, na vida de todos estes meninos, esta é a grande chance e o fato de terem que agarrá-las a qualquer custo permite ao torcedor assistir a verdadeiras batalhas de vida ou morte. E, parodiando o texto de um autor americano, adaptado à nossa realidade, já que lá o esporte mais popular não é o "soccer" e nunca será, abrimos aspas.
"O campo faz parte da nossa consciência. A sua geometria de linhas brancas e a relva verde são um ícone tão familiar como a bandeira nacional. Ao contrário do que quase tudo o mais na existência desse país, o futebol permaneceu imutável.
Tirando algumas pequenas alterações, o jogo que hoje em dia se joga é extraordinariamente semelhante ao que jogava Garrincha e tantos outros. Estes jovens, há muito tempo falecidos das fotografias e seus dribles heróicos. O que acontece hoje é mera variante do que aconteceu ontem e amanhã antecipará o que há de acontecerá daqui a um ano.
O passado do futebol está intacto. Há registros de quase todas as partidas disputadas. Podem-se confrontar proezas, comparar jogadores e equipes, falar dos mortos como se estivessem vivos. Jogar o jogo em criança é simultaneamente imaginar-se a jogá-la em adulto, e o poder dessa fantasia está presente até no mais fortuito desafio improvisado.
Quantas horas da infância não passamos tentando imitar a pose de um Pelé, o elástico do Rivelino. Os que chegam a jogadores profissionais têm a consciência de estarem cumprindo os seus sonhos de infância. De serem pagos, no fundo, para continuarem crianças."
E aqui vai um PS gigante: Que nos desculpem, ou não, flamenguistas e cariocas em geral e acreditem que este não é pura e simplesmente um exercício tolo de polemizar. A vinda de Romário para o Rio traz consigo um fantasma também. Uma soma de dinheiro deste porte, exatamente quando o Rio vive um momento crítico no que diz respeito à sua recuperação em todos os sentidos, nos faz pensar se o "pool" de empresas estaria também disposto a bancar, por exemplo, um projeto de caráter social na cidade.
E mais, o Romário não é verdadeiramente um bom exemplo de solidariedade e companheirismo, aspectos fundamentais para a recuperação do Rio enquanto Rio e Brasil, perante o próprio Rio.
O cara é mesmo um craque, bom de bola à beça, o que é muito, mas não tudo. Se o futebol do Rio pretende ressurgir das cinzas através desta transação milionária, tendo como slogan o petulante Romário, é bom ter bastante cuidado porque o tiro pode sair pela culatra.
Assinado: Advogados do Diabo!!!.

Marcelo Fromer e Nando Reis são músicos da banda Titãs

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