São Paulo, segunda-feira, 16 de janeiro de 1995
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Obra-prima da HQ ganha versão completa no Brasil

GABRIEL BASTOS JUNIOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Muitos não acreditam no potencial dos quadrinhos como forma de linguagem. Para eles e, obviamente, para os admiradores da nona arte, a editora Brasiliense está publicando a saga completa de "Maus", de Art Spiegelman.
"Maus" é um trabalho de mestre. Foi feito ao longo de 13 anos –de 1978 a 1991– e acabou se tornando ponto de referência ao nome Spiegelman, tendo sido traduzido em pelo menos 18 idiomas.
O primeiro volume, concluído em 1986, ganhou o prestigiado Yellow Kid, prêmio internacional de quadrinhos oferecido no salão de Lucca, na Itália. Em 1992, a saga completa ganhou o prêmio Pulitzer, o mais importante do mercado editorial nos EUA.
O título de "Maus", mantido na edição brasileira, não tem nada a ver com "malvados". Trata-se de uma alteração na grafia de "mouse", que em inglês significa "camundongo" e mostra como o autor representa iconograficamente os personagens da história de seu pai: na Segunda Guerra, os judeus são ratos e os nazistas, gatos.
A Brasiliense acaba de reeditar o primeiro volume (lançado em 1987) que já está à venda (R$ 15,00). A segunda parte deve ficar pronta no fim de fevereiro.

Folha – A saga completa de "Maus" está saindo no Brasil. Isto te impressiona ou afeta de alguma forma?
Art Spiegelman – Acho que agora estou acostumado com isto. No início tudo que se relacionava a "Maus" me confundia. Eu achava que teria que publicá-lo sozinho e talvez alguém o visse quando eu estivesse morto.
"Maus" era, por um lado, um trabalho absolutamente particular, por outro lado não era porque eu estava fazendo para alguém lê-lo. Ele não foi feito em código.
Folha - É quase didático...
Spiegelman – Sinceramente espero que não. A idéia era apenas ensinar alguma coisa a mim mesmo. Sempre me sinto um pouco desconfortável com a idéia de que ele vem sendo usado para ensinar as pessoas sobre o Holocausto, como se fosse uma espécie de "Auschwitz para Iniciantes", ou algo do gênero.
Folha - Era mais como uma catarse?
Spiegelman – Também não. O que eu estava tentando fazer era entender melhor o que aconteceu com a minha própria família no passado e para mim esta tarefa consiste em colocar as coisas em pequenas caixinhas.
Folha - Em "Maus" há um diálogo em que você diz que a realidade é complexa demais para os quadrinhos...
Spiegelman – Mas eu não quis dizer que a realidade não seria muito complexa para pintura, ou filmes, mas sim para quadrinhos. Para mim, é a mesma coisa. A realidade é complexa demais para ser reduzida ao esforço da mente humana em dar ordem às coisas, o que chamamos de arte.
Folha - Alguns críticos dizem que "Maus" não é quadrinhos, que seria uma nova forma de literatura...
Spiegelman – Acho que isto não é justo, você cruza a linha de chegada, então eles mudam as regras. É claro que "Maus" é uma história em quadrinhos. As pessoas simplesmente ficam desconfortáveis porque a maior parte das HQs não são tão complexas, tão pensadas.
Folha - Esta intenção de fazer quadrinhos mais sérios também fazia parte do projeto da coleção "Neon Lit" (que adapata romances policiais para os quadrinhos), da qual você é consultor...
Spiegelman – "City of Glass" (primeiro livro da série, quadrinizado por David Mazzucchelli) é maravilhoso, mas eu acho que o conceito dos livros é errado.
Você pode ir a uma livraria e comprar o livro de Paul Auster, e se você é capaz de ler os balões na versão em quadrinhos, então você é capaz de ler o livro. Então isto é uma improvisação jazzística de um trabalho que já existe.
Mas meu desejo original não era fazer uma adaptação de Paul Auster, mas sim fazer com que Paul escrevesse seu próximo romance como uma história em quadrinhos e pegar um artista para fazer os desenhos.
Folha - Não deu certo?
Spiegelman – Falei com vários artistas e todos eles aceitaram a idéia até começar a fazê-la. Então eles pensavam no assunto seriamente e percebiam que se tratava de um outro mundo, de uma uma outra gramática.

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